MOÇAMBIQUE: O PAÍS COM OU SEM RELIGIÃO PRÓPRIA?

O islamismo e o cristianismo foram as primeiras denominações religiosas em Moçambique. O islamismo que se enraizou ao longo da costa moçambicana é praticado desde o século VIII, antes da chegada dos portugueses. O cristianismo em Moçambique, por sua vez, começou com Vasco da Gama, o famoso explorador marítimo português, que chegou à costa moçambicana em 1498 enquanto navegava para a Índia.

Durante o século XVII, os portugueses consolidaram as suas posições comerciais nos centros costeiros bem como no interior de Moçambique. Tanto os árabes assim como os portugueses procuraram propagar as suas religiões embora tivessem encontrado os povos indígenas com suas próprias crenças. Refira-se, no entanto, que, enquanto os árabes estavam mais interessados ​​no comércio, os portugueses estavam interessados ​​tanto no comércio quanto na conversão dos povos indigenas ao catolicismo, o que leva os críticos a concluir que a sua principal intenção era de, através da religião, abrandar os corações dos povos indígenas enquanto saqueavam os seus recursos.

Com a proclamação da Primeira República em Portugal em 1910, os líderes republicanos introduziram a secularização do Estado Português. À semelhança do período do Marquês de Pombal, esses líderes republicanos adoptaram uma série de medidas antirreligiosas, incluindo a proibição do ensino religioso nas escolas secundárias, o encerramento de conventos e a expulsão de ordens religiosas. Isto resultou no rompimento das relações diplomáticas entre o Estado Português e a Igreja Católica.

Com o passar do tempo, o governo português percebeu que precisava da Igreja Católica para servir as suas ambições imperialistas nas suas colônias. Assim, durante o período do Estado Novo, o catolicismo romano tornou-se a religião dominante nas colónias portuguesas após uma aliança entre a Igreja e o governo português com a assinatura da Concordata em 1940.

MOÇAMBIQUE TEM RELIGIÃO PRÓPRIA OU NÃO?

A partir da assinatura da Concordata, as relações entre o Estado português e a Igreja Católica caracterizaram-se por uma colaboração activa. A Igreja Católica passou a pregar um evangelho de obediência dócil às autoridades portuguesas, propagando a cultura e civilização portuguesas.

Antes da adopção do catolicismo em Moçambique, os indígenas praticavam livremente as suas diferentes religiões e rituais culturais. A adopção do catolicismo, como proposto pelos missionários, fez com que tivessem que acabar com as suas religiões e rituais culturais. Os padres católicos muitas vezes interrompiam os rituais religiosos dos indígenas, destruindo as suas estátuas e objectos de sacrifícios, alegando que eram cultos a Satanás.

Uma parte do povo moçambicano continua a acreditar até hoje na religião dos seus antepassados que se resume na crença da intervenção dos antepassados e dos ancestrais a quem se dirigem e oferecem sacrifícios em busca de defesa ou protecção em tempos difíceis, como doenças, a falta de chuva ou má colheita. Este grupo de moçambicanos acredita igualmente na intervenção de um deus ou criador supremo, com antepassados e ancestrais como intermediários entre eles e esse criador. 

Assim como os africanos acreditam na intervenção de um deus ou criador supremo, com antepassados e ancestrais como intermediários entre eles e esse criador, a Igreja Católica acredita na intermediação de seus santos diante de Deus. É também sabido que, como os africanos, esta Igreja venera as estátuas da Virgem Maria, como acontece em Lurdes, em Fátima e na vila de Namaacha em Moçambique. Não terá sido essa crença da Igreja Católica fortemente influenciada pelas religiões africanas cujas estátuas os missionários destruíram no passado?

A África é o único continente do mundo cujas religiões permanecem apagadas devido à colonização religiosa. Seria estranho que o continente africano que foi o berço da humanidade não tivesse suas próprias religiões, como se pretende fazer crer.

É hora de reflectir sobre este assunto e de procurar interessar pesquisadores que certamente poderão demonstrar que, muitos anos antes da introdução do islamismo e do cristianismo, o povo africano acreditava não só na intervenção de antepassados e de ancestrais, mas num criador supremo.

(NB: O artigo contém excertos retirados da segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionário” à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira. O leitor pode também ler este e outros artigos relacionados no https://umpadrevolucionario.com/language/pt/).

Comments

  1. Uma pesquisa sobre as religiões africanas antes da chegada do islamismo e mesmo da religião católica apostólica romana antes de Vasco da Gama impõe-se para aferir o grau de religiosidade dos moçambicanos nos primórdios do século I até ao século VIII bem como do século VIII ao século XV. A Biblia relata a existência de intercâmbio religioso entre África e a Palestina onde ocorreram muitos acontecimentos guiados por Deus como o êxodo do povo judeu para a terra de Canã sob a condução de Moisés. A viagem da Rainha de Sabá para a Palestina ao encontro do Rei Salomão e a presença de judeus na Etiópia deve ser a expressão de algum movimento africano que mantinha contactos com a terra de berço de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mesmo as atitudes conhecidas em relação à circuncisão e mesmo as referentes à pureza da mulher ou seja a virgindade antes do casamento parecem evidenciar a existência desse movimento de intercâmbio religioso baseado na aceitação de crenças e rituais bem como num Deus invísivel com poderes superiores sobre toda a Natureza. Ao longo do vale do Zambeze para além do ritual da chuva, ritual para afastar os maus espíritos e chamar a sorte e a paz também havia um ritual para aplacar os furores de “Mbhona”. Joseph Ki Zerbo e Cheik Anta Diop podem oferecer algumas reflexões como no histórial de Tumbuctu e outros reinos então existentes na nossa região a começar pelo Império de Monomotapa.

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