OS CONFLITOS HISTÓRICOS NO MOVIMENTO DA FRELIMO FORAM ÉTNICO-REGIONAIS (Parte 3 de 3)

Tal como o regime de Josef Stalin em que milhões de pessoas morreram em campos de trabalhos forçados, conhecidos como Gulags, ou por execuções sumárias, o governo da FRELIMO, após a independência, baseou-se no terror. Inspirada no modelo aplicado por Stalin, a FRELIMO embarcou numa campanha sem precedentes de caça ao homem. Entre o final de 1974 e o início dos anos 80 do século XX, milhares de pessoas honestas e inocentes, bem como líderes da oposição, foram detidos e enviados para campos de reeducação que o Presidente Samora Machel designou de “laboratórios da criação do homem novo”. Nesses campos, muitas pessoas morreram por fuzilamentos, torturas cruéis e desumanas, doenças e desnutrição.

Contra as convenções internacionais, este governo da FRELIMO sequestrava moçambicanos de países onde viviam exilados, levando-os para Moçambique para serem detidos ou mortos. Foi o caso do Padre Mateus Pinho Gwenjere e foi igualmente o caso de alguns lideres do PCN. Para deter os líderes do PCN exilados no Malawi, este governo convenceu alguns dirigentes do Malawi a entregar à FRELIMO o presidente e vice-presidente do PCN, Uria Simango e Paulo Gumane, respectivamente, bem como outros 10 dirigentes proeminentes do PCN.

Logo após o chamado “Julgamento de Nachingwea”, líderes dissidentes – incluindo o Reverendo Uria Simango, Adelino Gwambe, Paulo Gumane, Lázaro Nkavandame, Raúl Casal Ribeiro, Dra. Joana Simeão, Dr. Arcanjo Kambeu, bem como o médico João Joaquim Unhay – foram levados para o Centro de Reeducação da M’telela, na província do Niassa, onde foram detidos e posteriormente mortos em circunstâncias que até a presente data não foram oficialmente esclarecidas.

A REVOLUÇÃO É COMO SATURNO; DEVORA SEUS PRÓPRIOS FILHOS

Numa entrevista com jornalistas moçambicanos em Janeiro de 1991, o Presidente Joaquim Chissano disse o seguinte sobre as medidas que o governo de Samora-Marcelino dos Santos adoptou contra os chamados “contra-revolucionários” (“reaccionários”) da FRELIMO que foram assassinados:

“Em qualquer país a revolução tem suas regras e normas e é normal que esses indivíduos (os chamados “contra-revolucionários”) tenham sido tratados de acordo com essas normas”.

Na verdade, evidências sugerem que muitas revoluções políticas no mundo são violentas. A Revolução Francesa, por exemplo, alimentou-se de seus próprios filhos. Quando Pierre Vergniaud, um dos líderes dos Girondinos, deplorou no Parlamento Francês o desperdício de vidas humanas, Georges Jacques Danton, um dos líderes da Revolução Francesa, respondeu:

“As revoluções (políticas), meu caro, não são feitas com água de rosas.”

Tendo derrubado um governo corrupto, sob o Rei Luís XVI, não tardou para que os revolucionários franceses mergulhassem o país num banho de sangue, perseguindo e massacrando aqueles que, segundo eles, conspiravam contra o seu governo revolucionário. A Revolução Francesa estava em alta com o governo Jacobino de Maximillien Robespierre a usar o terrorismo de Estado ou a chamada violência revolucionária para conter manifestações e insurreições. Na cidade de Lyon, onde os “contra-revolucionários” ganhavam terreno, rebeldes eram amarrados, levados para campos abertos e sumariamente fuzilados. Na região de Rouen, no oeste da França, outro baluarte “contra-revolucionário”, rebeldes e padres católicos eram amarrados, postos em barcos e afundados nos rios. Mais de 16.000 pessoas foram mortas durante o “Reinado de Terror”, entre Junho de 1793 e Julho de 1794. As vítimas incluiam companheiros do próprio Robespierre, como Georges Jacques Danton, que outrora fora seu grade amigo, e Pierre Vergniaud que lamentou a morte de milhares de pessoas no auge da Revolução Francesa.

Quando os líderes revolucionários buscam o poder, eles geralmente procuram o apoio do povo. Eles se apresentam ao povo sofredor como seu defensor contra existentes regimes opressores ou corruptos. Eles prometem a este povo que, ao assumirem o poder, acabarão com sua vida cotidiana de sofrimento e de miséria. Ao se apresentarem dessa forma, o povo acredita que servirão verdadeiramente aos seus interesses.

Na prática, porém, a verdade tem sido diferente. Embora as revoluções iniciem por uma boa causa, evidências sugerem que os governados podem passar a ter uma vida pior do que aquela que tiveram com os chamados regimes opressores ou corruptos que os revolucionários derrubaram. Os líderes revolucionários usam o terror e a violência para incutir medo nos seus adversários e remover qualquer tentativa de oposição.

Apesar do líder soviético, Nikita Khrushchev, ter denunciado os desmandos do seu antecessor, Josef Stalin, que foi responsável pela morte de milhões de soviéticos em campos de trabalho forçado, conhecidos como Gulags, e por execuções sumárias, o governo da FRELIMO decidiu seguir à risca a sua política, o que resultou na morte de milhares de moçambicanos em chamados “Centros de Reeducação”.

Durante o reinado do governo de Samora-Marcelino dos Santos existiam 14 “Centros de Reeducação” espalhados por todo Moçambique: três na província do Niassa, três em Cabo Delgado, três na província da Zambézia, dois em Sofala, dois em Inhambane, e um em Maputo, na Ilha de Xefina.

Segundo o Público Magazine de 25 de Junho de 1995, de um total de 1800 prisioneiros políticos que entraram no Centro de Re-educação da M’telela, na província do Niassa, apenas 100 saíram com vida.

O resultado: não demorou muito para que a guerra civil eclodisse em Moçambique. Um ano após a independência, Moçambique foi assolado por uma longa e sangrenta guerra fratricida, semeando luto e dor, em grande parte devido à intolerância política deste governo da FRELIMO e à sua recusa e intransigência em reconhecer a reconciliação como elemento fundamental na construção de uma paz justa e duradoura.

A história ensina que um regime ou uma revolução que prioriza a intolerância política; encoraja a rebelião e só pode permanecer no poder pela força das armas. Sobre a política de matanças e de intolerância, o Dr. Nathan Robinson observou:

“Se o seu movimento revolucionário continua a produzir muitas mortes, seria importante reflectir se o problema está com todas as pessoas executadas ou consigo mesmo”.

Quando os líderes políticos deixam de ouvir a voz do povo, chega a hora em que as pessoas se cansam de serem pisoteadas e a tendência é de um líder carismático surgir para ajudar a resolver as dificuldades existentes. Tal como aconteceu com o aparecimento do Padre Mateus Pinho Gwenjere que, antes da independência, surgiu e ousou desafiar tanto o regime colonial português como a liderança do movimento da FRELIMO, intervindo em nome do povo moçambicano, os excessos do governo da FRELIMO após a independência, incluindo a sua recusa em se reconciliar com o grupo Simango–Gwenjere-Nkavandame, levaram subsequentemente ao surgimento de outros líderes carismáticos, nomeadamente André Matsangaíssa e Afonso Dhlakama, que, sob a égide da RENAMO, ousaram desafiar o então regime Stalinista da FRELIMO, pondo-o fim e reduzindo assim o sofrimento do povo moçambicano.

UM APELO À CONSCIÊNCIA

Quando Joaquim Alberto Chissano tomou posse como presidente da República em 1986, depois da morte do Presidente Samora Machel, ele reconheceu a importância de restabelecer a paz em Moçambique. Assinou o Acordo Geral de Paz com a RENAMO em 1992 e, ao mesmo tempo, concedeu amnistia aos militantes dissidentes da FRELIMO que não podiam regressar a Moçambique sem enfrentar prisão, detenção ou morte. No entanto, depois de ter deixado o poder, a guerra foi retomada em Moçambique. Esta guerra continua até a presente data, semeando luto e dor.

É fundamental investigar os porquês de todas essas guerras em Moçambique. Este país encontra-se em guerras fratricidas por quase meio século. Enquanto isso, todos outros países, vizinhos de Moçambique, vivem em paz. Não existe algo de errado com o povo moçambicano ou com a sua liderança?

O governo da FRELIMO sempre culpa aos outros por todas essas guerras. No entanto, para pessoas familiarizadas com a história de Moçambique, a interpretação é clara: um grupo de moçambicanos procura, a todo custo, monopolizar o poder político e económico, desrespeitando os resultados eleitorais que são a voz do povo. Enquanto isso, outros grupos de moçambicanos, sentindo-se excluídos e alienados, conspiram e organizam rebeliões para igualmente assumirem o poder.

A menos que o governo da FRELIMO mude radicalmente de direcção, procurando sarar as “feridas vivas causadas durante tantos anos de discórdias”, conforme bem disse o Papa Francisco; a menos que o governo da Frelimo enverede por uma reconciliação nacional genuína e inclusiva, para conquistar os corações e as mentes do povo moçambicano, o país continuará a enfrentar instabilidade política, independentemente da ajuda militar que possa obter do exterior.

Um processo para uma reconciliação nacional, verdadeiramente genuína e inclusiva em Moçambique, começaria, no mínimo, com o reconhecimento, por parte do governo da Frelimo, de que os líderes nacionalistas mortos – nomeadamente o Padre Mateus Pinho Gwenjere, Reverendo Uria Simango, Paulo Gumane, Adelino Gwambe, Lázaro Nkavandame, Dra. Joana Simeão, Raul Casal Ribeiro e muitos outros – devido aos seus pensamentos diferentes sobre o melhor caminho a seguir para a Revolução Moçambicana, foram combatentes genuínos da luta de libertação nacional, merecendo, não o vilipêndio, mas sim, o respeito e o amor do povo moçambicano.

Um processo de paz para uma reconciliação nacional verdadeiramente genuína e inclusiva também requer que o governo do Partido da Frelimo revele onde esses líderes nacionalistas foram enterrados, para que possam receber um enterro condigno dos seus familiares, o que irá apaziguar as suas almas, permitindo-lhes um verdadeiro descanso em paz. Só dessa forma, a Revolução Moçambicana, para a qual todos esses líderes nacionalistas lutaram até ao seu último suspiro, fará sentido e será motivo de orgulho para as gerações presentes e vindouras – para toda a nação moçambicana.

Enquanto a necessidade de procurar sarar as “feridas não cicatrizadas do passado” e de enveredar por uma reconciliação nacional genuína e inclusiva não for devidamente reconhecida e respeitada, não pode haver paz verdadeira e duradoura em Moçambique.

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As referências bibliográficas e notas finais deste artigo foram omitidas. Uma referência detalhada, de acordo com as normas de referenciação, pode ser encontrada na segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” a partir do qual este artigo foi extraído. O livro encontra-se à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira.