QUEM FOI URIA TIMÓTEO SIMANGO?

Uria Timóteo Simango foi pastor presbiteriano e vice-presidente da FRELIMO, cargo que ocupou desde Junho de 1962 até ao assassinato do Presidente Eduardo Mondlane em 3 de Fevereiro de 1969. De etnia Ndau e filho de Timóteo Simango Dungo Chimbirombiro e Mandivinda Tivana, nasceu a 15 de Março de 1930 em Chiloane, Machanga, no então distrito de Sofala.

No seu livro “Uria Simango – Um homem, Uma causa”, Barnabé Lucas Ncomo apresenta uma data diferente do seu nascimento. Segundo este autor, Uria Simango nasceu a 15 de Março de 1926, tendo o seu pai o registado deliberadamente como tendo nascido em 1930 para permitir que ele ingressasse na escola com a idade permitida.

É de referir que o pai de Uria Simango, Timóteo Simango Dungo Chimbirombiro, esteve envolvido no motim de Machanga a 11 de Junho de 1953. No ano seguinte, 1954, ele foi deportado para Marrupa no Niassa onde, até 17 de Novembro de 1962, serviu a pena a que foi condenado.

Uria Simango formou-se no Seminário Ecumênico Protestante de Ricatla na então Lourenço Marques (actual Maputo). Após a sua ordenação como pastor em Novembro de 1956, ele, tal como Kamba Simango, deveria ter seguido para os Estados Unidos da América para prosseguir os seus estudos. No entanto, a administração colonial portuguesa não o deixou sair de Moçambique. Acredita-se que a proibição seja devido ao nacionalismo do seu pai.

Uria Simango passou a exercer as suas funções de pastor presbiteriano na Igreja de Cristo de Manica e Sofala. Casado com Celina Muchanga, abandonou Moçambique para a Rodésia do Sul (actual Zimbábuè) em 1959. Na Rodésia do Sul, passou a trabalhar para uma igreja presbiteriana e envolveu-se na criação da “Portuguese East African Society of Salisbury” (Sociedade Portuguesa da África Oriental de Salisbúria – PEAS), usando os pseudônimos de John Simango e Rev. (Reverendo) Willie Simango. Segundo os arquivos da PIDE, a PEAS de Uria Simango mantinha uma “estreita colaboração” com o Partido Democrático Nacional (National Democratic Party) de Joshua Nkomo e o movimento da UDENAMO sediado na Tanganica na altura.

Importa referir que foi na Rodésia do Sul que Uria Simango conheceu o Dr. Eduardo Chivambo Mondlane. O Presidente Mondlane escreveu numa das suas cartas que se encontrou com Uria Simango a caminho dos Estados Unidos, após visitar Moçambique em 1961. Segundo o Dr. Mondlane, durante o encontro, os dois traçaram planos para o estabelecimento de uma frente unida contra o regime colonial português.

Presidente Eduardo Mondlane com Vice-Presidente Uria Simango no Segundo Congresso da FRELIMO na Província de Niassa em 1968. Fonte:Centro de Documentação e Formação Fotográfica

Em Abril de 1962, Uria Simango deixou a Rodésia do Sul para se juntar à UDENAMO em Dar-es-Salaam, Tanganica. Quando os três movimentos de libertação – UDENAMO, MANU e UNAMI – fundiram-se para formar uma frente unida (a Frente de Libertação de Moçambique – FRELIMO), Uria Simango foi um dos candidatos à presidência desta frente, juntamente com o Dr. Eduardo Mondlane e o Presidente da UNAMI Baltazar da Costa Chagonga. Nas eleições que decorreram em 25 de Junho de 1962, Simango, que foi o segundo homem mais votado, depois do Dr. Mondlane, tornou-se vice-presidente do movimento da FRELIMO.

Segundo os estatutos da FRELIMO, como vice-presidente da FRELIMO, ele era o sucessor imediato do Dr. Mondlane. Mesmo assim, por razões pouco conhecidas, em diferentes fases da Revolução Moçambicana, Dr. Mondlane escolhia subordinados de Simango para liderar o movimento da FRELIMO no dia-a-dia na sua ausência.

Ressentindo-se da forma como o Presidente Mondlane muitas vezes o saltava, Uria Simango chegou a reclamar no seu documento, “The Gloomy Situation in FRELIMO” (A Situação Sombria na FRELIMO) que as pessoas que o Dr. Mondlane escolhia para liderar o movimento da FRELIMO, na sua ausência, realizavam reuniões e tomavam decisões, à sua exclusão e à exclusão dos demais membros do Comitê Central da Região Centro-Norte.

Quando o Padre Mateus Pinho Gwenjere ingressou na FRELIMO na Tanzânia em 1967, após vários anos de actividade política clandestina em Moçambique, Uria Simango o cooptou para o seu lado para derrubar o Presidente Mondlane. Nas suas notas autobiográficas, o Padre Gwenjere escreveu que Uria Simango pediu que o ajudasse a “ser o novo presidente” do movimento da FRELIMO.

Após a morte do Presidente Mondlane, o Vice-Presidente Uria Simango seria o seu legítimo sucessor até à realização de um congresso. Quando Simango se preparava para assumir a Presidência em Abril de 1969, o grupo Samora-Marcelino dos Santos conseguiu obstá-lo no intento. Este grupo convocou uma reunião do Comité Central que foi convenientemente realizada no Campo de Treino Político-Militar da FRELIMO em Nachingwea.

Durante os 11 dias da sessão (de 11 a 21 de Abril de 1969), Simango sofreu duras críticas desta grupo que o acusou e aos seus colaboradores mais próximos, nomeadamente, Silvério Nungu e Samuel Dhlakama, de envolvimento directo no assassinato do Presidente Mondlane. Na mesma reunião, o grupo Samora-Marcelino dos Santos decidiu criar um triunvirato para neutralizar Uria Simango. Note-se a semelhança entre a ascensão do grupo Samora-Marcelino dos Santos à liderança da FRELIMO e a ascensão de Josef Stalin ao poder na União Soviética: Na disputa pela sucessão no governo soviético, após a morte de Vladimir Lenin, Joseph Stalin formou um triunvirato com Grigory Zinoviev e Lev Kamenev para impedir que Leon Trotsky, que era o sucessor natural de Lenin, assumisse o poder.

O grupo de Samora-Marcelino dos Santos, que já havia constituído uma base de poder político-militar, declarou guerra aos apoiantes de Uria Simango, desferindo um rude golpe na sua posição. Samora Machel, que estava encarregue dos assuntos internos no triunvirato, reforçou a sua posição, criando várias subsecções do Departamento de Defesa, incluindo o Comissariado Político Nacional, lideradas por indivíduos fiéis a ele.

Apercebendo-se da sua neutralização, Uria Simango publicou um documento em inglês intitulado “The Gloomy Situation in FRELIMO” (“A Situação Sombria na FRELIMO”) em 3 de Novembro de 1969. O grupo Samora-Marcelino dos Santos rejeitou as acusações contidas no documento, acusando o seu autor, por seu turno, de ser um contra-revolucionário que servia os interesses do colonialismo português e do imperialismo.

Indo mais longe, o grupo Samora-Marcelino dos Santos tomou a decisão de expulsar Uria Simango do triunvirato, do Comité Central, bem como do próprio movimento da FRELIMO. Em 19 de Fevereiro de 1970, Simango seria expulso do território tanzaniano pelo Governo da Tanzânia.

Após a Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974, que derrubou o regime fascista e colonialista de Marcelo Caetano em Portugal, havia grandes expectativas de que Moçambique teria eleições multipartidárias livres e justas. Neste contexto, Simango regressou a Moçambique e em Agosto de 1974 fundou o Partido da Coligação Nacional (PCN) que reuniu vários grupos dissidentes. O PCN e vários outros grupos políticos começaram a realizar campanhas para divulgar os seus movimentos, bem como os seus programas de governação.

No entanto, a direcção de Samora-Marcelino dos Santos rejeitou veementemente qualquer tipo de eleições, pressionando Portugal a transferir o poder para a FRELIMO, sob o pretexto de ser “o único representante legítimo do povo moçambicano”. Cumprindo o seu desejo, o governo português assinou o Acordo de Lusaka a 7 de Setembro de 1974, eliminando qualquer possibilidade de realização de eleições multipartidárias em Moçambique.

Após a formação do governo provisório em Moçambique, a principal preocupação da FRELIMO foi de cercar, prender, deter e punir os líderes dissidentes. A liderança de Samora-Marcelino Santos solicitava o apoio dos países africanos que abrigavam dissidentes para detê-los e entregá-los à FRELIMO. Na ausência de cooperação ou recusa, esta liderança, contra as convenções internacionais, raptava os moçambicanos que viviam exilados nesses países, levando-os para Moçambique para serem detidos ou mortos.

Para deter os lideres do PCN, esta liderança procurou o apoio do Malawi. Os lideres malawianos entregaram à FRELIMO o presidente e o vice-presidente do PCN, Uria Simango e Paulo Gumane, respectivamente, bem como outros 10 proeminentes líderes dissidentes. Quando a liderança de Samora-Marcelino dos Santos se apercebeu que o Reverendo Uria Simango estava no Quênia, a mesma procurou o apoio do Albert Nqumayo, secretário-geral do Partido do Congresso no Malawi. Nqumayo convenceu Simango a viajar urgentemente para Malawi para abordar a situação de Moçambique. Logo após a sua chegada a Blantyre, no Malawi, Simango foi detido e entregue aos oficiais da FRELIMO.

Logo após o chamado julgamento de Nachingwea, os líderes dissidentes–incluindo o Reverendo Uria Simango, Adelino Gwambe, Paulo Gumane, Lázaro Nkavandame, Raúl Casal Ribeiro, Dra. Joana Simeão, Dr. Arcanjo Kambeu, bem como o médico João Joaquim Unhay – foram levados para o “Centro de Reeducação da M’telela, na província do Niassa, onde foram detidos e subsequentemente mortos em circunstâncias que ainda não foram oficialmente esclarecidas pelo governo da Frelimo.


As referências bibliográficas e notas finais deste artigo foram omitidas. Uma referência detalhada pode ser encontrada na segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” a partir do qual este artigo foi extraído. O livro encontra-se à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira.


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