Após a expulsão do Padre Charles Pollet de Moçambique a 03 de Junho de 1967, no final do mesmo mês, precisamente a 26 de Junho de 1967, o Ministro do Ultramar em Portugal ordenou a prisão imediata do Padre Mateus Gwenjere e o seu “banimento para Metrópole no primeiro transporte aéreo”. No entanto, de acordo com a Interpol de Lourenço Marques, quando a ordem de detenção foi recebida, o Padre Gwenjere já tinha atravessado a fronteira com o Malawi para se juntar à FRELIMO.
Dada a sua admiração pelo Padre Gwenjere, o Presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, estava genuinamente entusiasmado com a sua chegada à Tanzânia. Ao chegar à capital da Tanzânia, Dar-es-Salaam, o Dr. Mondlane decidiu apresentá-lo a altos círculos de poder, inclusive aos oficiais do Comitê para a Libertação da Organização da Unidade Africana (OUA). Também imediatamente após a sua chegada a Dar-es-Salaam, o Padre Gwenjere foi recebido em audiência pelo Presidente da Tanzânia, Julius Nyerere, que organizou um almoço em sua honra. O Padre também foi convidado a saudar e dirigir-se ao povo moçambicano através dos microfones da Rádio Tanzânia.
Um Dos Mais Importantes Lutadores De Liberdade
No livro, “O Meu Coração Está Nas Mãos de Um Negro”, escrito por Nadja Manghezi, a esposa do Presidente Eduardo Mondlane, a Senhora Dona Janet Mondlane, disse que, numa carta dirigida a George Hauser da Comissão Americana para a África (ACOA), o Dr. Mondlane explicou que o Padre Gwenjere era um padre católico que trabalhava com outro padre belga chamado Charles Pollet, tendo em seguida dito o seguinte: “Eu considero o Padre Mateus um dos mais importantes lutadores da Liberdade que conseguimos trazer para o exterior”.
Em 01 de Novembro de 1967, o Presidente Mondlane enviou o Padre Gwenjere para Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, para testemunhar contra Portugal na Quarta Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas. O Presidente da FRELIMO estava ciente de que as opiniões do Padre Gwenjere como testemunha receberiam proeminência e, portanto, influenciariam o futuro pensamento da ONU. Ao seu pedido, em 12 de Novembro de 1967, o Padre Gwenjere foi recebido em Washington por Robert Kennedy e Edward Kennedy, os dois irmãos do falecido Presidente dos Estados Unidos da América, John F. Kennedy.
Depoimento Nas Nações Unidas (ONU)
Como era esperado pelo Presidente Mondlane, o Padre Gwenjere tornou-se uma testemunha impressionante na sessão da ONU. Ele falou sobre a situação religiosa e política em Moçambique, denunciando a Igreja Católica “Salazarista” e as injustiças e a opressão do regime colonial português. Numa informação dirigida ao “Governador Geral de Moçambique” em Janeiro de 1968, o director do “Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar” escreveu o seguinte, sobre o depoimento do Padre Gwenjere na ONU:
“Segundo informação recebida neste gabinete, tal depoimento (do Padre Gwenjere nas Nações Unidas) impressionou grande número de delegações na 4.ª Comissão […]. Indignado com o testemunho, George Coleride-Taylor, da Serra Leoa, disse: ‘Temos ouvido descrições horripilantes que nos fazem gelar o sangue nas veias, das atrocidades dos portugueses, do terror escandaloso que pode ser literalmente descrito como a violentação da África feita por Portugal’.”
Na Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, o Padre Gwenjere atendeu às expectativas do Presidente Eduardo Mondlane que ficou satisfeito com o seu testemunho, uma vez que reiterava a sua crença na eficácia da diplomacia para resolver o problema da independência de Moçambique. Assim, tudo indicava que, após o regresso do Padre Gwenjere de Nova Iorque, o Presidente Mondlane e ele fortificariam a sua amizade e estabeleceriam uma forte dupla para reverter o equilíbrio de poder a favor da tendência marxista-maoísta no movimento da FRELIMO. No entanto, a rápida amizade que o Presidente Mondlane e o Padre Gwenjere desenvolveram, antes da sua partida para Nova Iorque, foi sol de pouca dura, como será demonstrado nas próximas páginas.
Desentendimento Com Mondlane Por Exigir Reformas
Quando o Padre Mateus Gwenjere se juntou à FRELIMO em 1967, este movimento estava em tumulto, com os militantes desse movimento, incluindo os estudantes do Instituto Moçambicano (IM), a lamentarem o assassinato do seu estimado líder militar, o Secretário de Defesa e Segurança da FRELIMO, Filipe Samuel Magaia.
Os problemas que surgiram depois do assassinato de Magaia fizeram com que o Padre questionasse algumas políticas da FRELIMO, incluindo a priorização da política de “guerra prolongada”, a concentração de poderes político-militar e de segurança em torno do grupo de “Sulistas”, a nomeação de brancos moçambicanos de origem portuguesa como professores no Instituto Moçambicano e a falta de realização de algum congresso ou conferência para resolver os sérios problemas internos no seio do movimento da FRELIMO.
A ruptura do Padre Mateus Gwenjere com o Presidente Eduardo Mondlane tornou-se evidente numa festa do final de ano em Dar -es-Salaam, Tanzânia, em Dezembro de 1967. No seu discurso anual, o Presidente Mondlane disse aos militantes da FRELIMO que “a luta contra a dominação portuguesa seria longa e demorada”. Na ocasião, o Padre Gwenjere opôs-se aos pronunciamentos de uma “guerra prolongada” do Presidente Mondlane. O sacerdote argumentou que uma “guerra prolongada” só traria mais sofrimento aos moçambicanos dentro do país.
O incidente do discurso do final de ano do Presidente Mondlane é melhor recontado pelo correspondente de “Los Angeles Times”, Stanley Meisler. Segundo Meisler, o Presidente Mondlane disse aos membros do movimento que eles deveriam “esperar que a guerra durasse muitos anos”. Num artigo intitulado “Mozambique Rebels Disagree” (“Rebeldes Moçambicanos Discordam”), publicado no “Washington Post” de 30 de Junho de 1968, Meisler descreveu o Padre Gwenjere como “um jovem padre progressista que estava a colocar em cheque a chefia” do Presidente Mondlane:
“Mondlane difere muito dos homens que lidera. […] é culto, educado e muito ocidentalizado […]. Por outro lado, o Padre Gwenjere, que acaba de sair de Moçambique, é jovem, militante, impaciente e evidentemente anti-branco. Para o Padre, Mondlane anda muito devagar e a sua linguagem é muito suave para o seu gosto […]. Embora não seja membro do Comité Central da FRELIMO, o Padre ganhou influência com a sua linguagem persuasiva […]. O Governo da Tanzânia cedeu a uma das suas principais reivindicações, expulsando os quatro professores brancos (portugueses) do país.”
União Com Conselho De Anciãos
No início de 1968, o Padre Gwenjere deixou o seu trabalho de professor na Escola de Formação em Enfermagem da FRELIMO em Dar-es-Salaam e desenvolveu um intenso trabalho de sensibilização para fortalecer e unir as comunidades de refugiados moçambicanos em Tanzânia e no Quênia. O Padre recebia o apoio maciço das comunidades de moçambicanos de etnia maconde que residiam em Tanganica, no arquipélago de Zanzibar, bem como em Mombaça no Quênia.
Importa referir que o Conselho de Anciãos era anteriormente um órgão da FRELIMO. No entanto, mais tarde, o mesmo distanciou-se da FRELIMO devido ao nepotismo e à falta de paridade no movimento bem como à falta de acordo sobre como a guerra deveria ser conduzida e como os combatentes da liberdade deveriam ser tratados. No seu livro “Vidas, Lugares e Tempos”, o Presidente Joaquim Chissano confirmou a existência de problemas no movimento da FRELIMO devido à falta de paridade. Ele escreveu que, assim que chegou a Dar-es-Salaam em Setembro de 1963, o Presidente Mondlane levou-o para uma reunião com o Conselho de Anciãos:
“A reunião (com o Conselho de Anciãos) era sobre a necessidade de admitir como funcionária da Sede Provisória da FRELIMO uma jovem maconde para que também houvesse gente do Norte do país a trabalhar no escritório. Tinha de se acabar com Ubaguzi”(uma palavra suaíli que significa discriminação).”
No que se refere à forma como a guerra deveria ser conduzida, enquanto a liderança da FRELIMO defendia uma “guerra prolongada”, o Conselho de Anciãos acreditava que Moçambique só poderia ser libertado militarmente, uma vez que Portugal não queria negociar a independência deste país. Ao apostar na “guerra prolongada’, o Conselho de Anciãos acusava as forças armadas da FRELIMO de cobardia e de recusa em combater o inimigo.
Gwenjere Lidera A Campanha Para Trazer Reformas Ao Movimento
O Padre Gwenjere exigia reformas para colocar o movimento num caminho visto por ele e por outros combatentes como o melhor para a Revolução Moçambicana: Ele estava contra os maus-tratos e execuções sumárias de combatentes de liberdade e contra a política de “guerra prolongada”.
Por outro lado, exigia reformas na concentração do poder político-militar e de segurança em torno do grupo de “Sulistas” bem como reformas no recrutamento descontrolado de brancos como docentes no Instituto Moçambicano, em particular de brancos de origem portuguesa. Acima de tudo, ele exigia a realização do Segundo Congresso. Nas suas notas autobiográficas datadas de 16 de Novembro de 1972, o Padre Gwenjere escreveu que o Presidente Mondlane recusava-se redondamente em implementar tais reformas, forçando-o assim a buscar a intervenção do Governo de Tanzânia e do Comité de Libertação da OUA.
O trabalho de sensibilização e mobilização para trazer reformas no movimento da FRELIMO era realizado em duas frentes: Em Dar-es-Salaam, o Padre Gwenjere realizava esse trabalho no seio do Conselho de Anciãos, cujo principal líder era o Mzee (velho) Mchekecha. Por seu turno, Lázaro Nkavandame que era o Secretário Provincial da Província de Cabo Delgado, sensibilizava o grupo do Conselho de Anciãos (Baraza-la-Wazee) em Mtwara, Tanzânia, e na Província de Cabo Delgado.
Devido à sua postura ousada, num momento em que os militantes da FRELIMO temiam a liderança militar do movimento que tinha por hábito recorrer à força das armas como forma de intimidar os militantes, resolver as diferenças internas e impor a ordem, o Padre Gwenjere começou a ganhar respeito e apoio de vários sectores, especialmente o apoio de elementos descontentes do movimento, de estudantes do Instituto Moçambicano, de membros do Conselho de Anciãos (Baraza-la-Wazee), bem como de membros do Governo da Tanzânia e da imprensa local e estrangeira.
Enquanto morava em Dar-es-Salaam, na Tanzânia, o Padre Gwenjere logo começou a dominar a língua local, o suaíli. Isso era facilitado por suas actividades como sacerdote. Começou, assim, a ser recebido em audiência pelos líderes do Governo da Tanzânia, nomeadamente pelo Segundo Vice-Presidente da Tanzânia, Rashidi Kawawa, e pelo Ministro de Estado da Tanzânia, Lawi Sijaona, com quem trabalhou em estreita ligação para trazer reformas ao movimento da FRELIMO.
Mondlane Chocado Com O Rumo Dos Acontecimentos
O Presidente Mondlane ficou chocado com o rumo dos acontecimentos e com o que ele viu como a intenção do Padre Mateus Gwenjere de afastá-lo do poder, mobilizando as bases da FRELIMO contra ele. Naturalmente, isso levou a uma ruptura entre os dois homens.
Nas suas notas autobiográficas datadas de 16 de Novembro de 1972, o Padre Gwenjere escreveu que ele próprio não tinha ambição de qualquer cargo no movimento. Segundo ele, “a sua condição sacerdotal era incompatível com lideranças directas de partidos políticos e não estava disposto a abandonar o seu sacerdócio”. A sua “principal preocupação era a libertação de Moçambique do jugo colonial português”, escreveu o Padre.
Importa referir, no entanto, que Uria Simango havia pedido ao Padre Gwenjere para ajudá-lo “a ser o novo presidente” do movimento da FRELIMO:
“Todos nós queriamos eleger o Reverendo Uria Simango. Uria Simango queria que eu o ajudasse a ser o novo presidente”.
Aceita Finalmente Implementar Reformas
Em 27 de Maio de 1968, o jornal tanzaniano “The Nationalist” publicou trechos de um discurso do Primeiro Vice-Presidente da Tanzânia e Presidente de Zanzibar, Sheikh Abeid Karume, num comício em Dar-es-Salaam, para marcar o Dia de Libertação da África. Fazendo eco das críticas do Padre Gwenjere, Sheikh Abeid Karume criticou “os combatentes pela liberdade por travarem amizades com pessoas que sabem muito bem serem seus inimigos”, aconselhando-lhes que evitem luxo.
No fim do mesmo mês de Maio de 1968, o jornal “The Nationalist” afirmava o seguinte num editorial, que se interpretou como sendo dirigido à direcção da FRELIMO:
“[…] alguns combatentes pela liberdade cederam à busca do prazer, em vez de irem para a linha da frente ou até de fazerem seja o que for de realmente sério quanto à luta pela liberdade e pela independência nacional!”.
Em 21 de Maio de 1968, um jornal cubano, o Juventud Rebelde, órgão da “União dos Jovens Comunistas”, também se insurgiu contra a direcção da FRELIMO ao escrever que a mesma estava a “travar o movimento guerrilheiro em Moçambique” e a “sabotar os reais esforços dos combatentes de liberdade”.
Discursando no Terceiro Congresso da FRELIMO em Maputo em 1977, o Presidente Samora Machel admitiu que o grupo Gwenjere-Nkavandame desfrutava de grande apoio e respeito das autoridades tanzanianas bem como do exterior:
“As forças reaccionárias, gozando de alianças exteriores, conseguiram impor a direcção da FRELIMO a realização do Segundo Congresso antes da data prevista”.
O Presidente Machel admitiu que o Segundo Congresso da FRELIMO se realizou por insistência do Padre Mateus Gwenjere que, segundo ele, havia dirigido cartas à OUA e ao Governo de Tanzânia “lançando acusações contra a liderança da FRELIMO e solicitando a convocação de um congresso”. Note-se que, segundo os estatutos da FRELIMO, o Segundo Congresso, deveria ter sido realizado em 1965.
Uma carta de quatro páginas que a Senhora Dona Janet Mondlane escreveu aos seus pais e publicada no livro “O Meu Coração Está nas Mãos de um Negro”, revela a gravidade do desentendimento que existia entre o Presidente Mondlane e o Padre Gwenjere:
“[…] O Padre Gwenjere atacou fortemente no campo político […] circulavam, nos gabinetes do governo (tanzaniano) e nas embaixadas e, sabe-se lá, onde mais, documentos insultuosos, escandalosos […]. O Governo (tanzaniano) arbitrariamente expulsou os nossos professores e médicos portugueses […]. Como explicar os últimos seis meses em que as nossas vidas têm sido um inferno?”
No fim da carta, a autora do livro, Nadja Manghezi, escreve que em face desta situação, o Dr. Mondlane teria perguntado a sua esposa, a Senhora Dona Janet Mondlane, se não deveriam “desistir e voltar para casa, significando os Estados Unidos”. Segundo a autora do livro, a Senhora Dona Janet Mondlane rejeitou a proposta do marido.
Importa referir que durante o curto período (16 meses – de Setembro de 1967 a Dezembro de 1968) que militou na FRELIMO em Dar-es-Salaam, Tanzânia, o Padre Gwenjere obrigou a liderança deste movimento a implementar reformas em tudo que ele questionava. Note-se que antes da sua chegada à Tanzânia, vários dirigentes da FRELIMO tentaram em várias ocasiões trazer reformas ao movimento. Não tiveram nenhum sucesso. Pelo contrário, acabavam sendo expulsos da FRELIMO e do território tanzaniano pelo governo de Tanzânia.
Além de insistir na realização do Segundo Congresso, o Padre Gwenjere e os membros do Conselho de Anciãos estavam contra os maus-tratos dos combatentes de liberdade. Eles acusavam o exército da FRELIMO de matar os militantes a seu bel-prazer. O Conselho de Anciãos anunciou que não deixariam mais o exército da FRELIMO matar ou punir combatentes por delitos menores na Província de Cabo Delgado.
Devido ao trabalho realizado pelo Padre Gwenjere e pelos membros do Conselho de Anciãos, vários “Nortenhos” foram promovidos para o Comité Central e para outros cargos de chefia pela reunião do Comité Central de 25 de Agosto a 01 de Setembro de 1968, como forma de demonstrar reformas ao Comitê de Libertação da OUA e ao Governo da Tanzânia. Os membros do Comité Central da FRELIMO foram aumentados de 20 para cerca de 40. Incluiam secretários provinciais, representantes de organizações de massa, representantes das províncias, e membros eleitos pelo Congresso.
Em Fevereiro de 1968, a intervenção do Padre Gwenjere resultou na expulsão pelo Governo da Tanzânia de duas senhoras britânicas, nomeadamente Polly Gaster que substituiu a Betty King como secretária administrativa no Instituto Moçambicano e Margaret Dickinson, que, segundo o Padre, chegaram à Tanzânia como turistas e o Presidente Mondlane as recrutou para trabalharem no Instituto Moçambicano, o que, segundo a lei tanzaniana, era ilegal.
Em Maio de 1968, a intervenção do Padre Gwenjere resultou na expulsão de moçambicanos brancos, de origem portuguesa. O Padre Gwenjere estava contra a presença deles, depois de ter sido informado de que um deles, de nome Orlando Cristina, havia regressado a Moçambique após uma estadia de um ano na FRELIMO. Depois de convencer a direcção da FRELIMO de que ele era um militante genuíno, Orlando Cristina, um moçambicano branco de origem portuguesa, regressou a Moçambique, tendo supostamente roubado um veículo da FRELIMO e documentos importantes. No seu livro “The Tortuous Road to Democracy”, o escritor João Cabrita escreve que, antes de se juntar à FRELIMO, Cristina havia trabalhado para o Serviço de Inteligência Militar, ‘submetendo relatórios semanais ao Estado Maior da Inteligência em Nampula’. Ainda segundo o mesmo autor, em Moçambique em 1971, Orlando Cristina, juntamente com Jorge Jardim, criou “grupos especiais” que posteriormente lutaram contra a FRELIMO. Lembre-se que o mesmo Orlando Cristina foi um dos principais fundadores do movimento da RENAMO.
Referindo-se à expulsão dos moçambicanos brancos de origem portuguesa de Tanzânia, devido à intervenção do Padre Mateus Gwenjere, a PIDE escreveu o seguinte nos seus arquivos:
“Segundo a mesma fonte, o Presidente Nyerere apoia o Padre Mateus nas suas pretensões, constando que a expulsão da Tanzânia dos elementos não negros da Frelimo, teria sido devido a provas fabricadas por aquele sacerdote de que os mesmos estavam a colaborar com as autoridades portuguesas”.
A Estratégia De Cooptação Para Derrotar Gwenjere E Nkavandame
O Comité Central da FRELIMO reuniu-se em 31 de Maio de 1968 e decidiu que o Segundo Congresso da FRELIMO deveria ser realizado. No entanto, com medo de perder eleições, a liderança da FRELIMO não queria que o Congresso se realizasse na província de Cabo Delgado, embora fosse naquela província onde a guerra estava mais avançada. A direcção da FRELIMO não queria que o Congresso fosse realizado em Cabo Delgado por não ter implantação local naquela província que lhe era hostil. Assim sendo, a mesma insistiu em que o Segundo Congresso fosse realizado na escassamente povoada província do Niassa e com a plena participação da ala militar para impor o cumprimento das ordens deste Congresso.
Com a direcção da FRELIMO recusando-se a realizar o Segundo Congresso em Cabo Delgado, o grupo Nkavandame-Gwenjere propôs o Sul da Tanzânia, que o grupo considerava como um terreno neutro onde não encontraria qualquer pressão da ala militar da FRELIMO. Este grupo argumentava que, no Niassa, eles seriam mortos pela ala militar da FRELIMO se discordassem das decisões do Congresso. Importa referir, no entanto, que, como que a justificar o medo que o grupo Nkavandame-Gwenjere tinha de realizar o Congresso no Niassa, o Presidente Samora Machel chegou de insinuar, num dos seus discursos, que o grupo teria sofrido consequências se ousasse participar do Segundo Congresso na Província do Niassa.
O Segundo Congresso da FRELIMO realizou-se em Matchedje, na Província do Niassa, de 20 a 25 de Julho de 1968, tendo sido boicotado pelo grupo de Gwenjere-Nkavandame. Importa referir, no entanto, que Uria Simango, a quem o grupo Gwenjere-Nkavandame queria substituir o Presidente Mondlane, não só participou do Segundo Congresso na Província do Niassa, mas concordou em permanecer como Vice-Presidente da FRELIMO, conforme revelou o Presidente Samora Machel. Como se não bastasse, quando o grupo Nkavandame-Gwenjere afirmou na Reunião de Mtwara que Uria Simango era o seu líder, este permaneceu calado. Por outro lado, o Padre Mateus Gwenjere não queria abandonar o seu sacerdócio para directamente liderar o grupo que se opunha à liderança de Dr. Mondlane. Em face dessa enorme discordância, o Governo de Tanzânia e especificamente o Comité de Libertação da OUA que tinha uma palavra final sobre o assunto, chegaram à conclusão de que o Padre Gwenjere estava sendo usado por políticos para criar confusão e intranquilidade no seio do movimento da FRELIMO que se sabe ter tido uma longa história de disputas pelo poder e de conflitos internos. Assim, no dia 07 de Janeiro de 1969, o Padre Gwenjere foi levado para a região de Tabora, no centro-oeste da Tanzânia, onde foi entregue aos cuidados do Arcebispo Mark Mihayo, da Arquidiocese de Tabora, para se dedicar às suas actividades religiosas.
Tendo a direcção da FRELIMO alcançado vitória sobre o Padre Mateus Gwenjere, com o seu banimento para a região de Tabora, o único empecilho era o seu colega, Lázaro Nkavandame. Para alcançar vitória sobre Lázaro Nkavandame, a liderança de Samora-Marcelino dos Santos procurou absorver forças leais ao Lázaro Nkavandame na liderança do movimento da FRELIMO, com o objectivo de neutralizá-lo e “evitar que a reacção assumisse a direcção”, conforme admitira o Presidente Samora Machel num dos seus discursos.
Após a independência de Moçambique em 1975, o Padre Gwenjere foi sequestrado pelos agentes do governo do Partido Frelimo em Nairobi, Quênia, onde vivia no exílio e morto num local, data e em circunstâncias que ainda não foram oficialmente esclarecidas.
Numa sua carta a um acadêmico, em 15 de Fevereiro de 1997, o Padre Charles Pollet acusou a liderança de Samora-Marcelino dos Santos de ter morto o seu “filho”, Padre Mateus Pinho Gwenjere:
“Você sabe o que eles fizeram com ele?! Ele era como meu filho, tendo, como eu, mais coração do que mente. Embora não nascesse para ser ‘Presidente’, ele teve grande apoio do povo moçambicano, principalmente dos Macondes do Conselho de Anciãos, que eram todos por ele, daí a raiva de Machel, Chissano e Dos Santos. Se você tem conhecimento de como ele morreu e aonde, ficarei feliz em saber. Depois de ser sequestrado de Nairóbi à noite; acredito que eles o levaram para Maputo onde o torturaram e o mataram.”
Após a independência, durante o Terceiro Congresso da FRELIMO em 1977, a direcção da FRELIMO interpretou a origem dos conflitos na FRELIMO como sendo baseada na ideologia. Essa interpretação é melhor vista como destinada a enganar. Quem conhece a história da FRELIMO entende, como bem entendeu o correspondente de “Los Angeles Times”, Stanley Meisler, que o Presidente Mondlane era pró-ocidente e o Padre Mateus Gwenjere era um socialista anti-ateu. Para acrescentar: Uria Simango era maoísta; Marcelino dos Santos, um marxista-leninista; enquanto que Samora Machel seguia os ensinamentos ideológicos deste último.
Ao examinar a história de conflitos na FRELIMO, este autor chegou à conclusão de que era predominantemente regional, embora tenha sido exacerbada pela disputa pelo poder político.
Um Herói E Mártir Revolucionário
O Padre Mateus Gwenjere é citado nos arquivos da PIDE como tendo dito que estava “pronto a defender a causa do povo negro até ao seu último suspiro.” E foi assim que ele procedeu. Ele será, sem dúvida, lembrado como um dos líderes políticos e religiosos mais influentes em Moçambique que, antes da independência, surgiu e ousou desafiar tanto o regime colonial português como a direcção da FRELIMO com vista a garantir ao povo moçambicano os seus direitos à justiça, liberdade e bem estar.
Contrariamente à vontade da FRELIMO de apelidá-lo de agente da PIDE, infiltrado na FRELIMO para desestabilizar o movimento, o Padre Mateus Gwenjere será lembrado como um herói e mártir revolucionário. O dicionário define herói como alguém que se entrega; que muitas vezes coloca a sua própria vida em grande risco para o bem dos outros; uma pessoa que, na opinião dos outros, é considerada modelo ou ideal por suas realizações; uma pessoa que é admirada por acções excepcionais. As acções e o comportamento do Padre Gwenjere se encaixam em todas as definições acima. A sua abnegação representa uma fonte de inspiração e de orgulho para as gerações presentes e futuras. Ele é claramente um herói no verdadeiro sentido da palavra.
Desprovido de ambição pelo poder político, o Padre Gwenjere trabalhou incansavelmente para a sua única e principal preocupação, que era a libertação de Moçambique do jugo colonial português. Acima de tudo, ele nunca se cansou de sensibilizar os combatentes da luta de libertação de Moçambique para o caminho que ele considerava o melhor: incutir um espírito mais humano à Revolução Moçambicana.
Sobre este caminho pelo qual ele lutou até ao seu último suspiro, o Dr. Nathan Robinson observou:
“Se o seu movimento revolucionário continua a produzir muitas mortes, seria importante reflectir se o problema está com todas as pessoas executadas ou consigo mesmo”.