QUEM FOI EDUARDO CHIVAMBO MONDLANE?

Eduardo Chivambo Mondlane, filho de um chefe tradicional Tsonga, nasceu em Manjacaze, na Província de Gaza, Moçambique, a 20 de Junho de 1920. Doutorado em Antropologia pela Northwestern University, nos Estados Unidos da América, ele foi funcionário da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova Iorque, antes de se juntar à causa nacionalista em Junho de 1962.

Encorajado pelo Presidente Julius Nyerere da então República de Tanganica, Dr. Mondlane decidiu renunciar ao seu cargo nas Naçoes Unidas e tornar-se professor na Syracuse University para ter mais tempo e liberdade para se dedicar à causa nacionalista.

Em 07 de Junho de 1962, chegou à capital tanganicana, Dar-es-Salaam, com a missão de unir os movimentos de nacionalistas moçambicanos, tendo em seguida sido eleito presidente da Frente (unida) de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

Dr. Eduardo Mondlane de fato preto e acenando recebido no Aeroporto de Dar-es-Salaam. Ao lado dele está Marcelino dos Santos de camisa branca. Fonte: Centro de Documentação e Formação Fotográfica,Maputo

Entre Julho de 1962 e Março de 1963, durante o período em que esteve nos Estados Unidos da América a leccionar na Syracuse University, o Dr. Mondlane escolheu David Mabunda e Paulo Gumane, antigos dirigentes da UDENAMO, e, mais tarde, o Leo Milas, para representá-lo e dirigir o dia-a-dia do movimento da FRELIMO na sua ausência.

Sentindo-se ameaçado por esses representantes que haviam se tornado críticos em relação a sua liderança, o Dr. Mondlane decidiu rescindir prematuramente o seu contrato com a Syracuse University e regressar permanentemente a Dar-es-Salaam em Março de 1963 para liderar pessoalmente a frente unida.

O Seu Alinhamento Ideológico

Numa altura da Guerra Fria em que a ideologia marxista-leninista era apresentada como um dogma, ou seja, como uma doutrina que não admitia contestação, o que era visto como correcto e indiscutível era que um líder de um movimento revolucionário fosse visto como progressista, esquerdista ou socialista.

Porém, o Dr. Eduardo Mondlane não se preocupava em ser diferente. O seu desinteresse pela ideologia socialista e a sua inclinação para os Estados Unidos da América e outros países ocidentais, durante aquele período da Guerra Fria, faziam com que os esquerdistas o vissem como um líder pró-imperialista a abater. Importa recordar que, quando o Dr. Mondlane pediu explicações a David Mabunda sobre seus planos de querer derrubá-lo, enquanto havia depositado nele a confiança de liderar o movimento na sua ausência, este respondeu que não estava satisfeito com os laços que o Dr. Mondlane mantinha com os Estados Unidos da América.

Em 08 de Maio de 1963, uma chamada telefónica do Robert Kennedy ao seu irmão, Presidente John F. Kennedy dos Estados Unidos da América, fez com que o presidente americano se familiarizasse e se solidarizasse com a causa do movimento nacionalista moçambicano liderado pelo Presidente Eduardo Mondlane.

Importa referir, no entanto, que os Estados Unidos da América sentiam se pressionados pelo governo de Lisboa que ameaçava romper o acordo da Base das Lajes nos Açores. Precisando da Base das Lajes, devido ao agravamento da Guerra Fria, o governo de John Kennedy não estava em condições de comprometer o acordo assinado com Portugal. Mesmo assim, aquele presidente norte-americano estava empenhado numa iniciativa diplomática tendente a levar Portugal a solucionar o problema de Moçambique pela via pacífica, o que fazia o Dr. Mondlane acreditar que seria possível Moçambique adquirir independência por via pacífica.

Porém, as administrações americanas que se seguiram não prestavam atenção à causa nacionalista moçambicana. Frustrado com essa atitude bem como com a atitude dos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO) que directamente apoiavam Portugal, o Presidente Mondlane passou a valorizar o apoio que o seu movimento recebia dos países socialistas.

Quando regressou definitivamente à Tanganica em Março de 1963, ele visitou a Embaixada Americana em Dar-es- Salaam em Junho daquele ano, tendo informado aos oficiais da Embaixada que o seu movimento pretendia iniciar uma luta armada, já que o Governo português não estava disposto a negociar. Continuando, o Presidente Mondlane disse que os militantes da FRELIMO, treinados na Algéria, seriam usados como instrutores em campos de treinamento militar a serem estabelecidos em Tanganica. Nos finais do mesmo ano, ele visitou a República Popular da China para solicitar apoio militar. Em Setembro de 1964, a FRELIMO iniciou a sua luta armada.

Note-se, no entanto, que, apesar de ter tomado essa decisão, o Presidente Mondlane continuou esperançoso que o Governo português haveria de negociar um acordo pacífico antes que a guerra se alastrasse. Desta forma, com a luta armada essencialmente destinada a pressionar o Governo português a negociar e uma luta política centrada em actividades destinadas a aumentar a consciência política das massas e a sua prontidão para a independência nacional, o Presidente Eduardo Mondlane apostava numa “guerra prolongada“.

Um Líder Nacionalista “Pro-Moçambicano”

Conforme referido anteriormente, enquanto o Dr. Mondlane era amplamente visto como um líder pró-ocidente ou pró-imperialista, ele próprio se via como um líder nacionalista “pró-moçambicano”. No seu livro “Eduardo Mondlane: Um Homem a Abater”, José Manuel Duarte de Jesus escreve que no seu discurso na Chattam House, em Londres, na Inglaterra, em 07 de Março de 1968, o Presidente Mondlane disse que muitas vezes as pessoas lhe perguntavam de que lado ele e o seu movimento estavam: se eram pró-ocidente, pró-capitalista ou pró-comunista. Segundo ele, a sua resposta sempre foi que ele e o seu movimento eram nacionalistas “pró-moçambicanos”.

A sua esposa, a Senhora Dona Janet Mondlane, concorre. Numa entrevista à “Guerra de Joaquim Furtado” da RTP, ela disse que o seu marido acreditava que as pessoas eram mais importantes do que as ideologias. Segundo ela, a primeira prioridade do seu marido, acima de ideologia, era de educar e consciencializar os moçambicanos:

“A ideia de Eduardo (era) de que as ideologias não eram de sustentar nenhuma população. É preciso, em primeiro lugar, educar a população. Esse é (objectivo) número 1. Segundo, a partir de educação, (a população) vai ter todos outros benefícios da Independência […]. Ele era muito pragmático. Talvez foi uma das contradições com as pessoas mais ideólogas na FRELIMO, como Marcelino dos Santos.”

Contradições Ideológicas

Embora se visse como um líder nacionalista “pró-moçambicano”, conforme referido anteriormente, o Presidente Mondlane não estava alinhado com outros líderes proeminentes da FRELIMO quanto ao caminho ideológico que o movimento deveria seguir. Segundo a sua esposa, a Senhora Dona Janet Mondlane, essas contradições ideológicas na FRELIMO se deviam a uma formação ideológica diferente entre o Dr. Mondlane e outros líderes da FRELIMO.

Referindo-se a Marcelino dos Santos em particular, a Senhora Dona Janet Mondlane disse que, enquanto Eduardo Mondlane frequentou uma universidade americana nos Estados Unidos na “era de extremo anti-Comunismo”, Marcelino dos Santos foi para o que ela descreveu como “left bank Paris” em França, onde, segundo ela, “a ideia do socialismo etc. e do comunismo era muito promovida”.

Continuando, a Senhora Dona Janet Mondlane disse que, além da formação académica diferente entre os líderes da FRELIMO, Mondlane viajava frequentemente para a Europa e para os Estados Unidos da América para participar das conferências internacionais, enquanto que esses outros líderes, por sua vez, viajavam para a União Soviética e outros paises socialistas, para fazerem o mesmo.

Em 03 de Outubro de 1962, durante o período em que esteve nos Estados Unidos da América a leccionar na Syracuse University, David Mabunda, Paulo Gumane e Fanuel Mahluza, antigos líderes da UDENAMO, tentaram derrubar o Dr. Mondlane da liderança do movimento da FRELIMO, acusando-o de “ser antipatriota, de viver longe da frente de batalha e de se casar com uma americana branca”.

Durante a crise de 1968-69 no movimento da FRELIMO, para além do desentendimento com o “marxista-leninista” Marcelino dos Santos, o Dr. Mondlane tinha divergências com o “maoísta” Uria Simango e com o grupo Gwenjere-Nkavandame. Uria Simango se ressentia da maneira como o Presidente Mondlane frequentemente o humilhava. Como Vice-presidente eleito da FRELIMO, ele era o seu sucessor imediato. No entanto, por razões pouco conhecidas, o Presidente Mondlane, em diferentes fases da Revolução Moçambicana, escolhia subordinados do Simango, como David Mabunda, Paulo Gumane, Leo Milas e Samora Machel, para liderar o movimento da FRELIMO no dia-a-dia, na sua ausência.

Enquanto isso, a “guerra prolongada”, em que a direcção da FRELIMO, liderada pelo Dr. Mondlane apostava e a recusa em realizar o Segundo Congresso bem como outras reformas no seio do movimento, foram alguns dos principais motivos que levaram o grupo Gwenjere-Nkavandame a distanciar-se da direcção da FRELIMO. Enquanto a direcção da FRELIMO defendia uma “guerra prolongada”, o grupo Nkavandame-Gwenjere apostava numa guerra militar rápida e na paridade, como forma de libertar Moçambique do jugo colonial.

A Sua Política No Seio Do Movimento

Quanto à politica interna do Dr. Eduardo Mondlane no seio do movimento da FRELIMO, as evidências sugerem que ele não estava sob control total da situação interna no movimento da FRELIMO. Confome referido anteriormente, devido às suas constantes e prolongadas visitas ao exterior, o seu modelo de liderança significava colocar a responsabilidade no andamento do movimento nas mãos de pessoas ou um grupo de pessoas em quem ele confiava.

O Presidente Eduardo Mondlane depositava confiança nessas pessoas, acreditando que poderiam fazer o trabalho que os incumbia a fazer, em benefício dele, bem como em benefício do movimento da FRELIMO. As evidências sugerem, no entanto, que as pessoas em quem ele depositava a confiança para dirigir o movimento na sua ausência, nem sempre agiam em seu melhor interesse ou no melhor interesse da Revolução Moçambicana. Isto ficou evidenciado nos episódios que conduziram à expulsão da FRELIMO do grupo de David Mabunda bem como do Leo Milas.

Um Grande Líder

Na história de Moçambique, Eduardo Chivambo Mondlane emerge claramente como um grande líder. Durante a crise de 1968 no movimento da FRELIMO, numa época de Guerra Fria em que líderes revolucionários esquerdistas ganhavam terreno, muitos militantes da FRELIMO pensavam genuinamente que o movimento estaria melhor nas mãos de um líder progressista ou esquerdista.

Estudos poderão demonstrar, no entanto, que o movimento da FRELIMO e mesmo um Moçambique independente teriam ficado melhor nas mãos do Presidente Eduardo Chivambo Mondlane.

É natureza humana desejar uma liderança utópica. Porém, a queda da União Soviética demonstrou que a vida é caracterizada por resultados imprevistos. Na maioria das vezes, desejamos algo utópico, sem antecipar todos os problemas que daí possam advir.

Ao contrário do que se poderia esperar do Dr. Mondlane, um homem culto e letrado no meio de pessoas menos letradas, ele nunca procurou se impôr. Esse seu comportamento, embora fosse visto com admiração e como uma virtude por alguns militantes da FRELIMO; outros militantes, com particular destaque os seus adversários, viam-no como parte da sua fraqueza, chegando a culpá-lo por tudo o que corria de errado no seio do movimento. Dito isso, em várias ocasiões, durante a sua liderança, esses adversários, incluindo os da Guerra Fria, orquestravam planos para derrubá-lo do poder.

“A Lei Das Consequências Imprevistas”

O ditado “cuidado com o que pedes (a Deus)” é pertinente ao estudarmos o assassinato do Presidente Eduardo Mondlane. Na verdade, existem numerosos casos em que desejadas acções saem totalmente pela culatra, causando exactamente o oposto do que se pretende.

É natureza humana desejar uma melhor liderança e, às vezes, até uma liderança utópica, mas nem sempre as coisas acontecem da maneira que desejamos.

No seu livro “Animal Farm” (“O Triunfo dos Porcos”), o escritor inglês, Eric Arthur Blair, mais conhecido por seu nom de plume como George Orwell, narra a história de animais na fazenda do Sr. Jones que estavam descontentes com a sua liderança. Os animais queriam uma melhor liderança. Na verdade, eles aspiravam a uma liderança utópica! Eles queriam se autogovernar, criando uma sociedade onde todos os animais seriam iguais, livres e felizes.

Um dia, esses animais conspiraram para derrubar o fazendeiro, Sr. Jones. A sua rebelião foi bem sucedida, resultando na expulsão do Sr. Jones da sua fazenda. Importa referir, no entanto, que tendo os animais assumido o controle da fazenda, sob um líder da sua espécie chamado Napoleão, o comportamento dos novos líderes tornou-se pior do que o da antiga liderança – da liderança do Sr. Jones.


(Extractos do Capítulo 19 da segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionário”, edição revista e ampliada, com 28 capítulos e 576 páginas. O livro já se encontra à venda em algumas livrarias da cidade de Maputo).