PADRE CHARLES POLLET: “UM ENVIADO DE CRISTO”

(HOMENAGEM NO SEU 105º ANIVERSÁRIO NATALÍCIO)

Nesta data do teu aniversário, presto a minha homenagem a ti, Padre Charles Pollet! O meu coração transborda de gratidão por tudo o que fizeste para o povo moçambicano; por teres apoiado jovens moçambicanos que nem sequer conhecias pessoalmente, incluindo este autor; jovens desterrados no Campo de Refugiados de Rutamba, na Tanzânia. Usaste o pouco dinheiro que recebias como sacerdote para ajudá-los a deixar aquele campo para continuarem seus estudos em Nairóbi, no Quênia. Agradeço-te, Padre Charles Pollet, por nos apontar na direcção certa e por nos ajudar a maximizar o nosso potencial. Durante a tua vida missionária em Moçambique, não só mostraste aos moçambicanos da Região Centro o caminho da fé, mas com a tua inspiração e apoio, os iluminaste para se tornarem o que uns foram ontem e outros são hoje. Descanse em paz, meu querido Padre amigo! Até um dia!


Padre Charles Pollet, de nacionalidade belga, nasceu na região de Bendera-Santiago na Argentina em 23 de Maio de 1917. Após a sua ordenação em 11 de Abril de 1943, partiu em Setembro do mesmo ano para Ruanda, onde iniciou a sua vida como “Missionário da África” na Missão de Kiziguro.

Os “Missionários  da África”, comummente conhecidos como “Padres Brancos” por causa da sua batina branca, pertencem à  Société des Missionnaires d’Afrique fundada em1868 pelo Arcebispo de Argel Cardeal Charles Martial Allemand Lavigerie.

Cardeal Lavigerie delineou estratégias e políticas que tiveram de ser seguidas pelos missionários desta sociedade. Ele instruía os seus missionários a ensinar aos nativos a doutrina cristã nas suas línguas. Como resultado dessas instruções, os Padres Brancos escreveram livros em idiomas locais e puderam transmitir um tipo de educação que promovia a consciencialização política dos povos indígenas.

Conforme afirmava  ironicamente   o então Arcebispo de Lourenço Marques, Dom Custódio Alvim Pereira, os Missionários da África (Padres Brancos) foram responsáveis por “incutir nas mentes dos negros as ideias de independência”.

O Bispo da Beira Dom Sebastião Soares de Resende estabeleceu o seu primeiro contacto com os Padres Brancos quando viajava para Moçambique de barco, pouco depois de ser nomeado para o cargo de bispo da diocese de Beira em 21 de Abril de 1943. Ele viajava na companhia de 33 Padres Brancos que, segundo o Padre Fernando Pérez Prieto, iam descer em Luanda, Angola, para depois dirigirem-se para o Congo-Belga.

Tendo obtido boas informações sobre as actividades desses missionários em países da África Subsaariana, Dom Sebastião Soares de Resende dirigiu vários pedidos ao Superior Geral desses Padres Brancos em Argel, Mons. Durrieux, para que essa Sociedade também operasse na sua diocese em Moçambique. No entanto, as solicitações foram, em várias ocasiões, recebidas com uma recusa devido aos “compromissos extensivos” da sociedade e à “falta de pessoal suficiente”.

No final, o Bispo Dom Sebastião Soares de Resende obteve uma resposta positiva da Sociedade e o primeiro grupo de quatro Padres Brancos foi enviado a Moçambique para prestar serviço missionário. Um destes quatro padres foi o Padre Charles Pollet que chegou a Moçambique no final de 1945, tornando-se um dos fundadores da Paróquia de Magagade que mais tarde foi transferida para o centro de Murraça em Vila Fontes (actual Caia). Ele foi o Padre Superior da Missão de Murraça até 1966 quando foi transferido para a Missão de Gorongosa.

Padre Charles Pollet ao visitar algumas aldeias durante a estação chuvosa, em 1963, a atravessar uma área pantanosa, carregando consigo a sua cama de acampamento e altar portátil. Fonte: Dr. Josef Pampalk

Com as suas actividades e postura ousada e exemplar, o Padre Charles Pollet exerceu uma notável influência na formação espiritual dos nativos bem como na postura dos seus confrades na Missão de Murraça. Conforme as fotografias mostram, este Padre passava a maior parte do seu tempo visitando as famílias africanas a pé, de bicicleta e mais tarde de motorizada, chegando às zonas mais recôndidas de Gumansanze, Zimba, Marra, Magagade, Mulema, Mulambe, Nsona, Macualo, Checha, Sombreiro, Chipende, Chipongoloa, Nharugué, e Camba. Ele tinha contactos directos com as famílias, procurando conhecer os seus problemas, seu estado de saúde, assim como a escolaridade e a educação de seus filhos.

O Padre Charles Pollet foi o melhor dos Padres Brancos em Moçambique. Ele era o padre favorito do Bispo da Beira, Dom Sebastião Soares de Resende. Em 1952, o Bispo escreveu o seguinte sobre este Padre no seu diário:

“Recebi um sacerdote chamado Pollet, o melhor dos Padres Brancos em Moçambique. Ele é zeloso, activo, etc. Se eu tivesse uma dezena de padres como ele, revolucionariam a minha diocese em pouco tempo.”

Padre Charles Pollet, de bicicleta, visitando escolas da Missão de Murraça. Fonte: Dr. Josef Pampalk

O Padre Pollet era abertamente contrário à dominação portuguesa, favorecendo a independência de Moçambique.  Entre 1964 e 1966, enviou muitos jovens moçambicanos à FRELIMO na Tanzânia.

Quando em 16 de Janeiro de 1965, o Padre Pollet recebeu uma ordem de expulsão para deixar Moçambique por se expressar constantemente a favor da independência, o Bispo da Beira, Dom Sebastião Soares de Resende, viajou imediatamente para Lourenço Marques para se encontrar com o Governador-Geral de Moçambique para arquivar a ordem de expulsão. No regresso de Lourenço Marques, o Bispo aconselhou o Padre Pollet a ser “prudente”. No entanto, ele respondeu com as seguintes palavras:

“[…] em muitas ocasiões é impossível para eu ficar quieto. Seria contra a minha consciência. Como posso viver no meio dos africanos, como Missionário da África, sem aspirar de todo o coração pela liberdade  deles?”

O Padre Pollet revelava abertamente que era contra a presença  portuguesa  em  Moçambique   e  a favor   da  independência  e  liberdade  do  povo  moçambicano. Ele não escondia a sua simpatia por “comunismo sem ateísmo”. Dizia que os portugueses em Moçambique viviam da exploração dos negros “mas meus Lumumbas virão para fazer  justiça”.

Em 1966, ele foi transferido da Missão de Murraça para a Missão de Gorongosa devido às suas actividades subversivas que a PIDE considerou como sendo “altamente prejudiciais contra a soberania nacional”. Continuando com tais actividades em Gorongosa, ele foi declarado persona non grata, tendo sido expulso de Moçambique em Julho de 1967.

O Padre Charles Pollet regressou ao Ruanda, especificamente à paróquia de Rwamagana. Em 1968, foi transferido para a diocese de Mbeya na Tanzânia onde continuou com o seu trabalho missionário durante 30 anos, isto é, de 1968 a 1998. Em Mbeya, o Padre Pollet trabalhou nas Paróquias de Galula e Mwambi.

Quatro anos mais tarde, em 1972, ele foi transferido para a Diocese de Rulenge, onde trabalhou em várias paróquias, incluindo Bushangaro, Kimwani e Chato. Em 1987, foi colocado no Seminário de Katoke. Em 1988, foi nomeado pároco em Chato e Kimwani.

Em 1998, devido à sua idade avançada, deixou a Tanzânia para a sua terra natal, a Bélgica, onde, por alguns meses, viveu em Berchem. Em 1 de Julho de 1998, o Padre Pollet foi transferido para Namur, no sul da Bélgica, onde morreu em 12 de Abril de 2003, aos 86 anos de idade.

Padre Charles Pollet fotografado com jovens da sua Missão de Murraça em 1966. Fonte: Irmã Maria Helena Soares

No livro “Mateus Pinho Gwenjere-Um Padre Revolucionário”, três missionários que trabalharam em Moçambique durante o período colonial português e conviveram com o Padre Pollet elogiaram muito o trabalho missionário deste Padre em Moçambique.

Pe. Charles Pollet numa reunião de representantes de catequistas das missões de Charre, Inhangoma, Chemba, e Murraça realizada em Charre, Mutarara. Fonte: Dr. Josef Pampalk

 A Irmã Maria Helena Soares que conviveu com o Padre Charles Pollet na Missão de Murraça, desde 1953 até 1966, descreveu o Padre Charles Pollet como “um homem evangélico, profético e muito humano”. Segundo esta Irmã, o Padre Charles Pollet procurou por todos os meios promover a população africana:

“Além das escolas, na Sede da Missão existia um grande complexo de construções para assistência aos doentes; hospital com duas enfermarias, maternidade […] e casas  para  alguns  professores  que residiam  na Sede,  e, ali, leccionavam. Construíu ainda internatos masculino e feminino, moagem, que muito aliviou o  trabalho das mães de família, e uma grande igreja que, nas festas principais do ano litúrgico, acolhia todos os cristãos e  catecúmenos das comunidades espalhadas pelo território da Missão. Entre os anos 60 e 70 fez-se grande recruta entre a juventude para o Movimento de Libertação da FRELIMO.” 

O Dr. Josef Pampalk que foi missionário da África na Região Centro também elogiou o trabalho missionário do Padre Pollet que, segundo ele, foi “um missionário profundamente devoto e profético”, tendo depois escrito que “este Padre estava à frente do seu tempo”:

“O Padre Pollet passava a maior parte do seu tempo estabelecendo contactos directos com as famílias e procurando conhecer os seus problemas […] lutou arduamente para dar aos jovens africanos a oportunidade de receber uma melhor educação: Expandiu o nível de educação para o nível  do  ensino   médio. Em 1964, em  coordenação  com  o  Colégio  João  XXIII  de  São Benedito de Manga, nos arredores da Cidade da Beira, ele abriu uma escola secundária  em  Murraça  que  recebeu reconhecimento  oficial  quatro  anos  mais  tarde […].  Já em 1964/65, ele assumia uma posição aberta a favor da independência de Moçambique e em apoio ao movimento de libertação de Moçambique,  a  FRELIMO.”

Para o Padre Fernando Pérez Prieto, o Padre Pollet foi um grande educador não só dos moçambicanos, mas também dos Padres Brancos em Moçambique. Segundo este Padre, depois de trabalhar muitos anos em países africanos, o Padre Pollet voltou para a sua terra natal, Bélgica, já velho.

“Convencido de que havia cumprido a sua missão aqui na Terra, ele frequentemente se dirigia ao Pai Celestial dizendo: ‘Pai, você se esqueceu de mim? Aqui estou eu sem saber até quando’. Sempre alegre, ele morreu repentinamente no Domingo de Ramos, em 12 de Abril de 2003.”

QUE TAL A IGREJA CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE OU A DIOCESE DA BEIRA HOMENAGEAR O PADRE CHARLES POLLET COM UMA PALESTRA OU MISSA NO SEU 105º ANIVERSÁRIO NATALÍCIO?

Numa sua carta a um acadêmico, em 15 de Fevereiro de 1997, o Padre Charles Pollet escreveu que, desde a sua infância, ele sempre desejou servir os negros em África. Segundo ele, viveu 3 anos no Ruanda, 21 anos em Moçambique e  30 anos na Tanzânia.  Dos três lugares, ele gostou mais de servir o  povo do centro de Moçambique que, para ele era “o mais simpático”.

O Padre Charles Pollet foi uma fonte de inspiração não só para os moçambicanos, mas para outros povos africanos em países onde ele trabalhou como missionário. Os seus ensinamentos abriram o caminho para a fé, consciencialização política e bem-estar dos povos de Moçambique, Tanzânia e Ruanda.

Se estivesse vivo hoje, o Padre Charles Pollet comemoraria o seu 105º aniversário natalício – uma data para lembrar. Que tal a Igreja Católica de Moçambique ou a Diocese da Beira homenagear este homem excepcional?

Nesta data, relembro uma das canções do Padre Charles Pollet que incentivava as meninas de Sena a estudar e evitar casamentos prematuros:

Atsikana a kumphala mbimbiri-mbimbiri-mbimbombo (2x); a-sa-sembwa na mabhoko (As meninas do interior concordam em se casar com bodes, ou seja, com homens velhos e barbudos)”!


NB: Pode ler este e outros artigos relacionados no

https://umpadrevolucionario.com/language/pt/

As referências bibliográficas e notas finais deste artigo foram omitidas. Uma referência detalhada pode ser encontrada na segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” a partir do qual este artigo foi extraído. O livro encontra-se à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira.


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