OS CONFLITOS HISTÓRICOS NO MOVIMENTO DA FRELIMO FORAM ÉTNICO-REGIONAIS (Parte 1 de 3)

A política do governo da Frelimo de não querer admitir os erros do passado está na origem da recorrência da violência em Moçambique. Para resistir aos sinais de um retorno à violência e evitar que os erros que marcaram a nossa história se repitam no futuro, garantindo assim uma paz e estabilidade duradouras no país, é preciso que as gerações presentes e vindouras conheçam as reais causas dos conflitos. É fundamental que os moçambicanos conheçam as causas dos conflitos para saberem valorizar os esforços consentidos pelos nacionalistas moçambicanos na luta pela libertação nacional.

O principal objectivo deste autor ao escrever este e artigos relacionados é de procurar trazer uma melhor compreensão dos conflitos internos no seio do movimento da FRELIMO. Tendo presenciado acontecimentos importantes na história do movimento, o autor sente-se apto para recontá-los.

Após a independência, durante o 3º. Congresso da FRELIMO em 1977, a direcção da FRELIMO interpretou a origem dos conflitos históricos na FRELIMO como sendo baseada na ideologia: Um conflito entre “revolucionários” e “contra-revolucionários”, entre “progressistas” e “reaccionários” (“regressistas” ) , ou seja, um conflito entre “esquerdistas” e “direitistas”. Esta interpretação é falsa e pode ser melhor entendida como destinada a enganar, já que quase todos os militantes da FRELIMO que foram identificados como “contra-revolucionários” ou “reaccionários” vieram da região Centro-Norte de Moçambique. É praticamente impossível dividir ideologicamente os militantes com base em suas regiões de origem.

MONDLANE ACUSADO DE VIOLAR ESTATUTOS DA FRELIMO

Na capital de Tanganica (actual Tanzânia), Dar-es-Salam, na década de 1960, as rivalidades na forma de conflitos étnico-regionais, particularmente entre os membros da UDENAMO e da MANU, tornaram-se cada vez mais sentidas. Tudo porque os três movimentos moçambicanos – UDENAMO, MANU e UNAMI – foram fundados numa base étnico-regional: com membros da UDENAMO vindos principalmente do Sul de Moçambique; os membros da MANU sendo essencialmente da etnia Maconde do Norte de Moçambique; enquanto os membros da UNAMI eram maioritariamente da região Centro de Moçambique.

O Dr. Eduardo Chivambo Mondlane, um antropólogo moçambicano que viveu e trabalhou nos Estados Unidos durante muitos anos, foi persuadido pelo Presidente Tanganicano Julius Nyerere, a ir para Tanganica para liderar a frente unida. Ele era visto como o candidato certo, uma vez que não estava intimamente associado aos três movimentos rivais que se uniram para formar a FRELIMO.

No entanto, o presidente da UDENAMO, Adelino Gwambe, que havia acabado de suspender Marcelino dos Santos do cargo de secretário de Relações Exteriores da UDENAMO e aspirava liderar a frente unida, não ficou nada satisfeito com a chegada do Dr. Mondlane a Dar-es-Salaam em 7 de Junho de 1962.

Gwambe ficou mais irritado ainda quando se deu conta de que os seus assistentes na UDENAMO, o Vice Presidente Fanuel Mahluza e o Secretário-Geral Calvino Zaqueu Mahlayeye, haviam convidado o Dr. Mondlane para se juntar às fileiras daquele movimento. Mahluza admitiria anos depois que ele e outros líderes da UDENAMO queriam que o Dr. Mondlane, sendo um “Sulista”, estivesse do lado deles, pois havia uma disputa e competição regional pelo poder e pelos cargos mais altos na nova frente unida a ser estabelecida.

Apesar de ter prometido, durante as eleições, trabalhar “num verdadeiro espírito de neutralidade”, o Dr. Mondlane, como que para cumprir a agenda dos dirigentes da UDENAMO, favoreceu os “Sulistas” ao escolher David Mabunda e Paulo Gumane para dirigir o movimento da FRELIMO no dia-a-dia, quando, após a fusão, voltou aos Estados Unidos para leccionar na Syracuse University. Ao nomear os dois supramencionados para o representarem na sua ausência, contornando assim o seu sucessor imediato eleito, o Vice-Presidente Uria Simango, o Presidente Mondlane foi acusado de praticar o regionalismo e de violar os estatutos da FRELIMO.

Como vice-presidente da FRELIMO, Uria Simango foi o sucessor imediato do Presidente Eduardo Mondlane. No entanto, em diferentes fases da Revolução Moçambicana, o Dr. Mondlane escolhia subordinados dele (Simango) para liderar o movimento da FRELIMO no dia-a-dia na sua ausência.

A 3 de Outubro de 1962, três meses depois da fundação da FRELIMO, David Mabunda, Paulo Gumane e Fanuel Mahluza tentaram derrubar o Dr. Mondlane da liderança do movimento. Esta tentativa de golpe, contra o Dr. Mondlane, na sua ausência, falhou devido, em grande parte, à intervenção do Vice-Presidente Uria Simango. Não teria sido correcto compensar Simango pela sua lealdade e por ter abortado o golpe perpetrado por pessoas que o Dr. Mondlane mais confiava? No entanto, ele (Dr. Mondlane) preferiu enviar um desconhecido, Leo Milas, dos Estados Unidos para Dar-es-Salaam para liderar o movimento, com Uria Simango como seu subordinado, durante o período em que leccionava nos Estados Unidos da América.

Uria Simango sentia-se magoado pela forma como, em diferentes fases da Revolução Moçambicana, o Presidente Mondlane o contornava. Ele chegou a reclamar no seu documento, “The Gloomy Situation in FRELIMO” (A Situação Sombria na FRELIMO) que as pessoas que o Dr. Mondlane escolhia para liderar o movimento da FRELIMO, na sua ausência, realizavam reuniões e tomavam decisões, à sua exclusão e à exclusão dos demais membros do Comitê Central da região Centro-Norte.

“Desde 1966, tem havido uma tendência de um grupo – infelizmente composto por pessoas do Sul que incluíam o falecido presidente da FRELIMO (Dr. Eduardo Mondlane) – de se reunir e tomar decisões sozinhas e impondo tais decisões aos outros através de manipulações. O falecido presidente da FRELIMO foi criticado por algumas pessoas conscientes do Sul, de que tais métodos de trabalho poderiam no fim trazer problemas.”

Dois meses após a criação da FRELIMO, os dois líderes da MANU – o Presidente da MANU Matthew Mmole e o seu Secretário-Geral Lawrence Malinga Millinga – foram expulsos do movimento. Pouco depois da sua expulsão, os dois dirigentes acusaram a direcção da FRELIMO de atribuir cargos com base no “tribalismo” e no “nepotismo”, com todos os cargos mais altos indo para ex-membros da UDENAMO, na sua maioria “Sulistas”.

Importa referir que, com a expulsão de Mmole e Millinga do movimento, apenas três dirigentes da MANU permaneceram como membros do Comité Central da FRELIMO, nomeadamente Johanes Mtschembelesi, James Msadala e Paulo Bayete, ocupando os cargos menores de Tesoureiro, Vice-Tesoureiro e Vice-Secretário de informação, respectivamente; contra sete (excluindo Baltazar Chagonga e incluindo Dr. Mondlane e Leo Milas) altos cargos ocupados por membros da UDENAMO.

Note-se ainda que, quando o Presidente da UNAMI Baltazar da Costa Chagonga abandonou a FRELIMO no final de 1963, ele também se queixou de “tribalismo” e de “nepotismo” na nomeação de membros da FRELIMO para cargos de chefia.

Quando o Padre Mateus Pinho Gwenjere se juntou à FRELIMO na Tanzânia em 1967, após vários anos de actividade política clandestina em Moçambique, Uria Simango cooptou-o para o seu lado para depor o Presidente Eduardo Mondlane, pois já não suportava a humilhação de que sofria de elementos que o Dr. Mondlane nomeava para representá-lo e dirigir a vida quotidiana do movimento da FRELIMO. O Padre escreveu o seguinte nas suas notas autobiográficas:

“Todos nós queríamos eleger o Reverendo Uria Simango. Uria Simango queria que eu o ajudasse a ser o novo presidente.”

O Presidente Mondlane que se considerava um líder “nacionalista pró-moçambicano”, era amplamente visto no exterior, bem como no seio do movimento da FRELIMO, como um líder pró-americano e pró-Ocidente, como bem observaram o Presidente Joaquim Chissano na sua entrevista à TV-Sucesso e a Sra. Dona Janet Mondlane na sua entrevista à “Guerra de Joaquim Furtado da RTP”.

Sabe-se, no entanto, que Uria Simango era visto como um “maoísta” e o Padre Mateus Pinho Gwenjere como um “progressista”, “esquerdista” ou “socialista”, conforme correctamente o descreveu o jornalista do “Los Angeles Times” Stanley Meisler. Na opinião do autor deste artigo, Lázaro Nkavandame foi igualmente “progressista”. Note-se que ele se distinguiu na sua província natal de Cabo Delgado por praticar um bem comum. Distinguiu-se por organizar os camponeses em cooperativas para o bem comum deles. No entanto, na FRELIMO, Nkavandame foi acusado de se ter distinguido por apropriação privada. Se isso fosse verdade, ele não teria conquistado tanto apoio e respeito no seio da comunidade Maconde.

Diante desta realidade, como se pode afirmar que este conflito na FRELIMO foi ideológico – Um conflito entre “revolucionários” e “contra-revolucionários” (“reaccionários”), ou seja, um conflito entre “esquerdistas” e “direitistas? Afinal, de que lado estavam alinhados Uria Simango, Padre Mateus Gwenjere e Lázaro Nkavandame e de que lado estava alinhado o Presidente Eduardo Mondlane?

O GRUPO SAMORA-MARCELINO DOS SANTOS ARREBATA O PODER

Importa lembrar que a divisão ideológica dos militantes da FRELIMO em “revolucionários” e “contra-revolucionários” (“reaccionários”) surgiu quando o grupo Samora-Marcelino dos Santos arrebatou o poder após a morte do Presidente Eduardo Mondlane. Na altura, Marcelino dos Santos, bem conhecido por exibir tendências Stalinistas, tornou-se o guia do movimento da FRELIMO, e mais tarde, após a independência de Moçambique, o guia do Partido Frelimo até à morte do Presidente Samora Machel em 19 de Outubro de 1986.

Seguindo rigorosamente a estratégia do sanguinário líder soviético, Josef Stalin, o grupo Samora-Marcelino dos Santos conseguiu afastar o Simango do poder. Note-se a semelhança entre a ascensão de Josef Stalin ao poder na União Soviética e ascensão deste grupo à liderança da FRELIMO:

Josef Stalin assumiu a liderança na União Soviética após afastar o Leon Trotsky. Ele juntou-se a Grigory Zinoviev e a Lev Kamenev num triunvirato, com o único objectivo de se livrar do seu rival, Leon Trotsky, considerado o sucessor natural de Vladimir Lenin, tendo em conta que o mesmo foi fundador do Exército Vermelho, desempenhou um papel preponderante durante a Revolução de Outubro, e era intelectualmente superior a Stalin, mesmo como orador.

Ao assumir o poder na União Soviética, tal como o grupo Samora-Marcelino dos Santos fizera quando se instalou no poder, Josef Stalin afastou Trotsky dos seus cargos e, por fim, expulsou-o do Partido Comunista. Para salvar a sua vida, em Fevereiro de 1929, Trotsky refugiou-se no México. Mesmo assim, Josef Stalin contratou Ramón Mercader para matá-lo naquele país.

Consolidado no poder, Stalin mandou executar os seus dois ex-companheiros do triunvirato, Grigory Zinoviev e Lev Kamenev, que o ajudaram a se livrar de Trotsky. Josef Stalin também mandou executar o editor do jornal Pravda, Nikolai Bukharin, depois de usá-lo. Na verdade, ele mandou executar tantos dos melhores filhos da União Soviética, tendo, no final, permanecido praticamente sozinho como líder histórico.

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As referências bibliográficas e notas finais deste artigo foram omitidas. Uma referência detalhada pode ser encontrada na segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” a partir do qual este artigo foi extraído. O livro encontra-se à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira.