“O REINADO DE TERROR”: O OUTRO LADO DA HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE

 (1975 -1988 fim da “Operação Produção”)

Após a Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974, que derrubou o regime fascista e colonialista de Marcelo Caetano em Portugal, havia grandes expectativas de que Moçambique teria eleições multipartidárias livres e justas. Vários grupos políticos começaram a realizar campanhas para divulgar os seus movimentos, bem como os seus programas de governação.

No entanto, a direcção da FRELIMO rejeitou veementemente qualquer tipo de eleições, pressionando Portugal a transferir o poder para aquele movimento, sob o pretexto de ser “o único representante legítimo do povo moçambicano”. Cumprindo o seu desejo, o governo português assinou o Acordo de Lusaka a 7 de Setembro de 1974, segundo o qual, a FRELIMO deveria nomear seis dos 10 membros do governo de transição que governariam o país até a independência nacional, eliminando assim qualquer possibilidade de realização de eleições multipartidárias em Moçambique.

Conformado com a situação, os grupos políticos moçambicanos que foram marginalizados esperavam que a FRELIMO, como o maior movimento político, procuraria reconciliar e unir todos os movimentos moçambicanos sob a sua égide. Não foi isso, porém, o que aconteceu. Após a formação do governo provisório, um “Reinado de Terror” alastrou-se por todo por todo o país. A principal preocupação da FRELIMO foi de cercar, deter, torturar e matar outros moçambicanos, na sua maioria, cidadãos inocentes e amantes da paz.

Não demorou muito para que a guerra civil eclodisse no país. Um ano após a independência, Moçambique foi assolado por uma longa e sangrenta guerra fratricida, semeando luto e dor, em grande parte devido à recusa e intransigência da FRELIMO em reconhecer a reconciliação como elemento fundamental na construção de uma paz justa e duradoura. Sob a égide da RENAMO, dois jovens líderes carismáticos, nomeadamente André Matade Matsangaíssa e Afonso Macacho Marceta Dhlakama, ousaram desafiar o então regime marxista da FRELIMO, pondo-o fim e reduzindo assim o sofrimento do povo moçambicano.

Detenções Generalizadas

Logo após o estabelecimento do governo provisório em Moçambique, em 20 de Setembro de 1974, a FRELIMO embarcou numa campanha sem precedentes de caça ao homem. Inspirada em modelos aplicados por regimes socialistas totalitários, como o “Laogai” Chinês, o “Gulag” Soviético, e os “Campos da Morte” (“Killing Fields”) dos Khmer Rouge no Camboja, a FRELIMO anunciou a criação de campos de reeducação ou “Centros de Reeducação”, como assim foram designados.

Entre o final de 1974 e o início da década de 80 do século XX, milhares de pessoas honestas e inocentes eram cercadas nas ruas das principais cidades de Moçambique e encaminhadas para esses centros. Foram igualmente enviadas para esses centros que o Presidente Samora Machel designou de “laboratórios da criação do homem novo” pessoas tidas como infractores, desempregados, prostitutas, dissidentes políticos, antigos colaboradores da PIDE, autoridades tradicionais e Testemunhas de Jeová. Nas principais cidades de Moçambique, onde os “contrarrevolucionários” ganhavam terreno, a FRELIMO respondia com o terrorismo do estado, ou seja, com a chamada violência revolucionária.

Intolerância Religiosa

No seu depoimento nas Nações Unidas, em Nova Iorque, em Novembro de 1967, o Padre Mateus Gwenjere disse à sua audiência que a Igreja Católica colonial em Moçambique estava dividida em duas Igrejas: a Igreja Católica “Salazarista” que defendia os interesses do regime colonial português e a Igreja Católica Romana (“Profética”) que defendia os direitos do povo moçambicano à autodeterminação e à independência.

Apesar desta clara divisão entre as duas Igrejas Católicas, logo que Moçambique alcançou a independência, a direcção da Frelimo ignorou o bom trabalho realizado pela “Igreja Profética” de Dom Sebastião Soares de Resende e Dom Manuel Vieira Pinto e fez um ataque generalizado à Igreja Católica, acusando-a, como um todo, de se ter aliado à opressão colonial portuguesa “para impedir a libertação do povo moçambicano”, conforme afirmou o Presidente Machel num dos seus discursos.

Tendo acusado a Igreja Católica de colaborar com a opressão colonial portuguesa em Moçambique, o governo da Frelimo iniciou uma onda de perseguições contra ela, nacionalizando as suas missões, escolas, hospitais e outros bens, restringindo a sua liberdade religiosa, bem como detendo e expulsando alguns dos seus missionários. Logo após a independência, os missionários católicos foram forçados a abandonar as suas missões e a viver nas cidades. A “guia de marcha” era necessária para aqueles que desejassem visitar as suas comunidades longe das suas áreas de residência.

Os missionários que viajassem sem a “guia de marcha” — que não era concedida imediatamente e, às vezes, era negada — eram detidos, como foram detidos o Bispo de Lichinga Dom Luís Gonzaga e os Padres Norberto Louro e Severino Bordignon em 12 de Setembro de 1979. Importa referir que, após a independência de Moçambique, Dom Luís Gonzaga foi o único bispo que voluntariamente continuou em Moçambique, além do expulso Dom Manuel Vieira Pinto, que foi convidado pelo Governo da FRELIMO a regressar. Em cumprimento do seu testamento, Dom Gonzaga foi sepultado em Lifidzi, Angónia, onde começou e concluiu o seu trabalho missionário.

Por sua vez, o Padre Piero Gheddo forneceu uma longa descrição das perseguições contra a Igreja Católica após a independência em Moçambique. No seu livro “A New Church is born under Persecution”, ele acusou a FRELIMO de usar métodos violentos para impor as suas políticas ateístas. Segundo este Padre, quando em 3 de Dezembro de 1978, os bispos católicos escreveram uma carta pastoral reclamando do aumento das “restrições à prática da religião” no país, eles foram convocados para receber uma notificação com mais restrições.

Também escrevendo sobre as perseguições contra a Igreja Católica, a Irmã Maria Helena Soares Tomás, autora do livro “Irmãs Franciscanas da Mãe do Divino Pastor em Moçambique”, acusou o governo da Frelimo de fechar igrejas na região centro de Moçambique e de transformar algumas delas em armazéns. Ainda segundo esta Irmã, a Frelimo congelou as contas bancárias das igrejas, nacionalizou seminários, transformou missões católicas em centros educacionais, confiscou lares missionários e chegou de nacionalizar o único veículo que a Missão de Gorongosa possuia. Mais adiante, ela escreveu que foi presa e detida, juntamente com o Padre Fernando Pérez Prieto, por ter-se deslocada da Cidade da Beira, onde estava obrigatoriamente fixada, para Gorongosa para prestar assistência às comunidades. Ainda segundo ela, quando o Bispo da Beira Dom Jaime Gonçalves foi à Gorongosa para intervir, ele também foi detido durante várias horas, juntamente com o seu motorista.

Até mesmo o Padre Césare Bertulli (autor de “A Cruz e a Espada em Moçambique”), que tudo fez para manter relações amistosas com o Presidente Machel e com a FRELIMO, pouco antes e depois da independência de Moçambique, não foi poupado. O Presidente Samora Machel disse o seguinte quando a FRELIMO fechou as fronteiras aos missionários um mês após a independência:

“De agora em diante, nem Bertulli nem quaisquer outros missionários são necessários na nova nação”.

Mesmo assim, o Padre Bertulli, continuou a corresponder-se com Presidente Samora Machel, mostrando-se regozijado com as vitórias alcançadas pelo movimento da FRELIMO e pronto para servir a nova nação. No entanto, em 1976, Bertulli morreu, antes que pudesse testemunhar alguma mudança nas políticas religiosas do governo da FRELIMO.

É importante referir que não foi apenas a Igreja Católica que sofreu perseguição após a independência de Moçambique. Outras denominações religiosas, como as Testemunhas de Jeová e o Islão, conheceram a ira da FRELIMO. Os líderes da FRELIMO entravam nas mesquitas sem tirar os sapatos e, numa visita à província de Nampula em 1977, o Presidente Samora Machel obrigou os muçulmanos a criarem porcos para consumo interno e exportação. Conforme evidenciado abaixo, a liderança de Samora-Marcelino dos Santos não via com bons olhos todas as religiões:

“A religião é uma superstição que finge que o homem é dependente de um ser sobrenatural que não existe. Não só (este ser) é impotente para resolver os problemas reais das pessoas, mas também tira a autoconfiança do homem e impede que ele controle o seu próprio destino.”

Detenções De Dissidentes Políticos

Um grupo de líderes dissidentes desfilado no Campo de Treino Militar de Nachingwea. Estão incluídos no grupo da esquerda para a direita: Basílio Banda, o ex-seminarista Júlio Razão Nihia, o segundo; o líder da UDENAMO, Adelino Gwambe, que é o sétimo e líder da GUMO, a Dra. Joana Simeão, que é a décima pessoa – de óculos, vendo-se apenas a cabeça.

Após a formação do governo provisório em Moçambique, a principal preocupação da FRELIMO foi de cercar, prender, e deter todos os líderes dissidentes. Os líderes dissidentes políticos detidos em Moçambique, antes da independência, incluiram o líder provincial de Cabo Delgado Lázaro Nkavandame; o Secretário-Geral do Partido da Coligação Nacional (PCN) Basílio Banda; o Secretário de Relações Externas do PCN Dr. Arcanjo Faustino Kambeu; a líder da GUMO Drª. Joana Simeão; e o médico João Joaquim Unhay.

A direcção da FRELIMO dirigiu cartas aos governos dos países africanos onde os moçambicanos estavam exilados para repatriá-los para Moçambique aonde viriam a ser detidos ou mortos. O Quênia, um país que foi influente em trazer um acordo de paz entre a liderança de Joaquim Chissano e a RENAMO em 1992, sob a mediação da Comunidade Católica de Santo Egídio, foi um dos poucos países africanos que resistiram este pedido da FRELIMO. Mesmo assim, e contravendo as convenções internacionais, a FRELIMO sequestrava os moçambicanos de países onde viviam no exílio, levando-os para Moçambique para serem detidos ou mortos. Foi o caso do Padre Mateus Pinho Gwenjere, sequestrado por agentes do governo do Partido Frelimo em Nairobi e morto em local, data e circunstâncias que ainda não foram oficialmente esclarecidas.

Segundo João Cabrita, autor do livro “The Tortuous Road to Democracy”, quando a FRELIMO se apercebeu que o Reverendo Uria Simango estava no Quênia, a mesma procurou o apoio do Albert Nqumayo, secretário-geral do Partido do Congresso no Malawi. Em Novembro de 1974, Nqumayo convenceu Simango a viajar urgentemente para Malawi para abordar a situação de Moçambique. Logo após a sua chegada a Blantyre, no Malawi, Simango foi detido e levado ao posto fronteiriço de Milange onde foi entregue aos oficiais da FRELIMO.

Ainda segundo o mesmo autor, também em Novembro de 1974, as autoridades malawianas prenderam no Malawi o Vice-Presidente do PCN, Paulo Gumane, e outros dez proeminentes líderes do PCN, tendo-os, em seguida, entregue à FRELIMO em Milange:

“Esperando-os estava João Honwana, chefe de segurança da FRELIMO na Zambézia. Ele tinha amarrado os prisioneiros contra a carroçaria de um camião do exército, com as suas cabeças viradas para baixo e levando-os para o campo militar da FRELIMO em Mônguè.”

Os refugiados moçambicanos que regressavam voluntariamente a Moçambique eram sistematicamente presos e enviados para os chamados “Centros de Reeducação” no Norte de Moçambique, onde alguns deles sucumbiram à morte, enquanto outros, principalmente aqueles que se envolveram em conflito com a liderança da FRELIMO durante a luta armada, foram sumariamente executados.

Numa carta ao Sr. Malcolm Smart da Amnistia Internacional datada de 3 de Abril de 1978, o Vice Presidente do COREMO, Fanuel Guideon Mahluza, escreveu que havia 14 “Centros de Reeducação” espalhados por todo o Moçambique: três na província do Niassa, três em Cabo Delgado, três na província da Zambézia, dois em Sofala, dois em Inhambane, e um em Maputo, na Ilha de Xefina. Por razões de espaço, este artigo incidirá sobre três “Centros de Reeducação” que albergavam presos políticos: “Centro de Reeducação Moçambique D”, “Centro de Reeducação de Ruarua” e “Centro de Reeducação da M’telela”.

“Centro De Reeducação Moçambique D”

Pouco depois de ser ordenado diácono, Daniel José Sithole, um seminarista da província de Manica-Sofala, foi encaminhado para o “Centro de Reeducação Moçambique D” na província de Cabo Delgado. Daniel Sithole conseguiu fugir com sucesso daquele campo para Nairobi, no Quênia. Num documento de 14 páginas, intitulado “The Mozambique Tragedy” (A Tragédia Moçambicana), datado de 23 de Agosto de 1981 e publicado em Nairobi, no Quênia, Daniel Sithole denunciou os desmandos praticados nos chamados “Centros de Reeducação” em Moçambique.

Segundo este autor, a letra D no seu campo de reeducação representava “DESTINO”, o que significava que as pessoas enviadas para aquele campo estavam à mercê dos oficiais do campo, podendo ser fuziladas a qualquer momento, quando os mesmos bem entendessem. Continuando, Sithole escreveu no seu documento que algumas pessoas eram enterradas vivas no “Centro de Reeducação Moçambique D”. Ele escreveu ainda que os prisioneiros eram levados para um local, fora do campo, onde eram amarrados a uma árvore ou a um poste e depois interrogados sob tortura desumana. E quando os oficiais assim entendessem, tais prisioneiros eram abatidos a sangue frio no local.

Outro sobrevivente do “Centro de Reeducação Moçambique D” foi o Miguel Arcanjo Carlos Necauti, nascido em Muidumbe, na província de Cabo Delgado. Miguel Necauti escreveu um livro autobiográfico em Londres na Grã-Bretanha em 2016 intítulado “Tracing my Identity, Origin and Family Tree” (“Traçando a minha Identidade, Origem e Árvore Genealógica”). Segundo a sua autobiografia, em 25 de Maio de 1975, ele foi transferido do quartel de Boane em Maputo para o que ele descreveu como “Prisão Disciplinar Moçambique D” na Província de Cabo Delgado. Miguel Necauti escreveu que, neste “Centro de Reeducação”, prisioneiros eram frequentemente espancados e morriam diariamente por fuzilamento, doenças e desnutrição. Continuando, este autor escreveu que perdeu muitos dos seus companheiros de cela de Boane que foram transferidos com ele para o “Centro de Reeducação Moçambique D” onde eram mantidos em subterráneos ou em covas abertas por uma escavadora e o topo coberto de paus.

“Centro De Reeducação De Ruarua”

Ainda segundo Miguel Necauti, em 1 de Janeiro de 1976, a FRELIMO transferiu o “Centro de Reeducação Moçambique D” para “uma área remota e isolada conhecida por Ruarua (Kundone Kunamashomwe)” ainda na Província de Cabo Delgado. Ele escreveu que o “Centro de Reeducação de Ruarua” tinha duas secções prisionais: a Prisão Central onde viviam todos os prisioneiros e a Prisão de Liquene onde “os presos eram mantidos em covas”, trabalhavam 12 horas por dia, andavam nus, tinham direito a uma única refeição por dia, eram frequentemente espancados e diariamente havia fuzilamentos nesta prisão. Miguel Necauti escreveu que conseguiu escapar com sucesso do “Centro de Reeducação de Ruarua” para Nairobi, no Quênia, em 26 de Agosto de 1978.

Outro prisioneiro que conseguiu escapar de Ruarua, Fanuel Mahluza, referido anteriormente, escreveu o seguinte na sua carta à Amnistia Internacional:

“Éramos mantidos em celas subterrâneas completamente nus, no chão, sem luz, dia e noite, e fisicamente violentados diariamente […]. Em Ruarua, (éramos) obrigados a cultivar durante a noite, carregar comida para o abastecimento dos campos a uma distância de 60 km com uma carga de uns 30 kg […]. Em Ruarua, havia 900 presos […]. Alguns (presos) foram detidos no longínquo ano de 1972 durante a luta armada e ainda não foram acusados, nem julgados. Muitos nem sabem sequer por que estão presos.”

“Centro De Reeducação Da M’telela” – O Destino Dos Líderes Dissidentes

Os líderes dos chamados “contra-revolucionários” julgados por Machel e Dos Santos no Campo Militar deNachingwea. Da esquerda, Dos Santos, Machel,Gumane e Simango.

Logo após o chamado julgamento de Nachingwea, os líderes dissidentes – incluindo Reverendo Uria Simango, Adelino Gwambe, Paulo Gumane, Lázaro Nkavandame, Raúl Casal Ribeiro, Dra. Joana Simeão, Dr. Arcanjo Kambeu, bem como o médico João Joaquim Unhay – foram levados para o “Centro de Reeducação da M’telela na província do Niassa.

O Público Magazine de 25 de Junho de 1995 revela que de um total de 1800 prisioneiros políticos que entraram no “Centro de Reeducação da M’telela”, apenas 100 sairam com vida. De acordo com a revista, os prisoneiros políticos eram mantidos durante um ano e meio em isolamento, “fechados em celas individuais de onde apenas saiam duas vezes por semana, das oito as onze, para apanhar sol”.

Numa outra passagem, a revista revelou que no dia 25 de Junho de 1977, uma comitiva de que faziam parte o comissário político do Serviço Nacional de Segurança Popular (SNASP), o chefe da contra-inteligência militar, e o governador do Niassa, deslocou-se ao “Centro de Reeducação da M’telela”, onde comunicaram ao grupo dos “reaccionários” de que o Presidente Machel decidira convocá-los a Maputo para discutir a sua libertação.

“Oito importantes prisioneiros foram destacados para alegadamente seguirem com a coluna de jipes até à capital provincial, Lichinga, onde deveriam tomar um avião para Maputo: Joana Simeão, Lázaro Nkavandame, Raúl Casal Ribeiro, Arcanjo Kambeu, Júlio (Razão) Nihia, Paulo Gumane, o Reverendo Uria Simango e o Padre Mateus Gwenjere (sic).”

Continuando, a revista escreveu que, depois de deixar o Centro, a caravana, com os oito prisioneiros, “estacionou nas proximidades, na trilha M’telela-Lichinga”, onde os prisioneiros foram atirados dentro de uma vala cheia de lenha, regados com gasolina e queimados vivos:

“Na berma da estrada, os soldados tinham aberto […] uma grande vala e tinham-na enchido parcialmente de lenha. Amarraram os prisioneiros, atiraram-nos para dentro da vala e regaram-nos com gasolina, antes de lhes tocar fogo. Os prisioneiros políticos da Frelimo foram queimados vivos, enquanto os soldados entoavam hinos revolucionários em redor da vala”.

Um processo de paz para uma reconciliação nacional, verdadeiramente genuína em Moçambique, começaria, no mínimo, com o reconhecimento pelo governo da FRELIMO das referidas violações dos direitos humanos. A política do governo da FRELIMO de escrever uma história enganosa e não querer admitir os erros do passado está na origem da recorrência da violência em Moçambique. As gerações presentes e vindouras precisam conhecer o passado para resistir aos sinais de um retorno à violência.

Na abertura do livro “Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionário”, o Padre sul-africano Michael Lapsley escreveu que a Comissão da Verdade e Reconciliação (TRC) deu ao povo sul-africano uma “vantagem gigantesca” na cura nacional.

“A tentação é procurar enterrar e esquecer o passado, o que nunca funcionou em nenhum lugar do mundo. A evidência que existe é que as feridas não cicatrizadas do passado voltam a afectar-nos, seja como indivíduos, comunidades ou nações […]. Em diferentes partes do mundo, as pessoas frequentemente perguntam se precisam de uma Comissão da Verdade e Reconciliação. A grande questão é: como lidamos com o passado? É desejável que, tanto quanto possível, haja reconhecimento e um pedido de desculpas onde quer que a ordem moral tenha sido transgredida. Mas também, na medida do humanamente possível, toda a nação precisa de ter uma visão clara do que aconteceu no passado, em particular o que foi feito secretamente […].”

Angola, um país irmão, deve ser vista como um exemplo para países que verdadeiramente desejam viver em paz. Numa comunicação televisiva à nação angolana na véspera da data do alegado golpe “Nitista” de 27 de Maio de 1977, o Presidente João Lourenço pediu desculpas às vítimas e aos familiares das vítimas pelas execuções sumárias e excessos ocorridos após o alegado golpe. Ele pediu desculpas e perdão, apesar do acto não ter ocorrido durante a sua governação. E como que a repetir os pronunciamentos do Padre Michael Lapsely, o presidente angolano disse o seguinte:

“Ao dar este passo por iniciativa própria, o estado angolano abre uma nova página da nossa história e encoraja todos os autores e participantes dos conflitos políticos a fazê-lo igualmente. A história não se apaga. A verdade dos factos deve ser assumida para que as sociedades tomem as necessárias medidas preventivas para evitar que tragédias idênticas se repitam no futuro […]. Com este gesto, as almas das vítimas de conflitos políticos (em Angola) terão a paz necessária para o repouso eterno.”

(Extractos da segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionário”, edição revista e ampliada, com 28 capítulos e 576 páginas. O livro já se encontra à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira).