O GENERAL CHIPANDE DENUNCIA O TRIBALISMO DO SUL OU QUER APOIO DO NORTE?

Em 1961, os três movimentos nacionalistas moçambicanos transferiram-se para Dar-es-Salaam, na Tanganica (estado que existiu antes de se unir com Zanzibar em Abril de 1964 e tornar-se Tanzãnia), onde todos podiam conduzir as suas actividades políticas livremente, pois o líder daquele país, Mwalimu Julius Nyerere, era solidário aos movimentos de libertação dos nacionalistas da África Austral.

Na capital tanganicana, rivalidades na forma de conflitos étnicos e regionais, particularmente entre membros da UDENAMO e da MANU, logo se fizeram sentir. A principal razão para essas rivalidades é que os três movimentos foram constituídos numa base étnico-regional, com membros da UDENAMO vindos principalmente do sul de Moçambique; membros da MANU sendo essencialmente moçambicanos da etnia maconde de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique; enquanto membros da UNAMI eram maioritariamente da Região Centro de Moçambique.

Foi nesta onda de conflitos étnico-regionais que a frente unida denominada FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) nasceu.

SEMPRE HOUVE TRIBALISMO E REGIONALISMO NA FRELIMO

Para solucionar a crise de liderança suscitada pela fusão dos três movimentos, o Dr. Eduardo Chivambo Mondlane, um antropólogo moçambicano, que viveu e trabalhou nos Estados Unidos da América por muitos anos, foi persuadido pelo Presidente Tanganicano Julius Nyerere, a ir ao Tanganica para liderar a frente unida. Mondlane era visto como o candidato certo, uma vez que não estava intimamente associado aos três movimentos, mencionados anteriormente, que formaram a FRELIMO.

Apesar de ter prometido trabalhar “sob um verdadeiro espírito de neutralidade”, o Dr. Mondlane, como que a cumprir a agenda do Vice Presidente da UDENAMO, Fanuel Mahluza, favoreceu “Sulistas” ao escolher  David Mabunda  e  Paulo Gumane (ambos do Sul de Save) como seus representantes para dirigir o movimento da FRELIMO no dia-a-dia, na sua ausência, quando, depois da fusão, regressou aos Estados Unidos da América para leccionar na Universidade de Syracuse.  

Ao nomear David Mabunda e Paulo Gumane para representá-lo, preterindo o seu sucessor imediato, o Vice-Presidente Uria Simango (um “Nortenho”), o Presidente Mondlane foi acusado de praticar regionalismo e de violar os  estatutos  da  FRELIMO.

Dois meses depois da recém-criada FRELIMO, os dois líderes mais importantes da MANU, o Presidente Matthew Mmole, e o seu Secretário-Geral, Lawrence Malinga Millinga, foram expulsos do movimento. Após a sua expulsão, os dois líderes “Nortenhos” denunciaram o critério usado pela recém-criada liderança do movimento da FRELIMO para atribuir cargos. Eles disseram que o mesmo se baseava no tribalismo e no nepotismo, com todos os cargos mais altos indo para ex-membros da UDENAMO que, na sua maioria, eram “Sulistas”.

Importa referir que, com a expulsão de Mmole e Millinga do movimento, apenas três dirigentes da MANU permaneceram como membros do Comité Central da FRELIMO, nomeadamente Johanes Mtschembelesi, James Msadala e Paulo Bayete, ocupando respectivamente os cargos inferiores de Tesoureiro, Vice-Tesoureiro e Vice-Secretário de informação, respectivamente; contra sete (excluindo Baltazar Chagonga e incluindo Dr. Mondlane e Leo Milas) altos cargos ocupados por membros da UDENAMO.

No final de 1963, o Presidente da UNAMI, Baltazar da Costa Chagonga, abandonou o seu cargo de Secretário do Departamento de Saúde. Tal como Matthew Mmole e Malinga Millinga, ele queixou-se de tribalismo e nepotismo na nomeação de membros na FRELIMO.

No seu livro “Vidas, Lugares e Tempos”, o Presidente Joaquim Chissano confirmou a existência de problemas no movimento da FRELIMO devido à falta de paridade. Ele escreveu que, assim que chegou a Dar-es-Salaam em Setembro de 1963, o Presidente Mondlane levou-o para uma reunião com o Conselho de Anciãos (Baraza-la-Wazee):

“A reunião (com o Conselho de Anciãos) era sobre a necessidade de admitir como funcionária da Sede Provisória da FRELIMO uma jovem maconde para que também houvesse gente do Norte do país a trabalhar  no escritório. Tinha de se acabar com Ubaguzi (uma palavra suaíli que significa  discriminação).”

Tendo assegurado as lideranças político-militar e de segurança, depois do assassinato de Filipe Samuel Magaia, o grupo de “Sulistas” estabeleceu um nó intrincado para proteger e promover os seus interesses. Os homens fortes que constituíram a liderança da FRELIMO durante o período que este autor militou na FRELIMO eram Eduardo Chivambo Mondlane, Samora Moisés Machel, Joaquim Alberto Chissano e Armando Emílio Guebuza, nessa ordem.

Simango chegou a reclamar no seu documento, “The Gloomy Situation in FRELIMO” (“A Situação Sombria na FRELIMO”). Ele escreveu que este grupo de “Sulistas” realizava reuniões e tomava decisões, à sua exclusão e à exclusão de outros membros do Comité Central da Região Norte.

“Desde 1966, tem havido uma tendência de um grupo – infelizmente composto por pessoas do Sul que incluíam o falecido presidente da FRELIMO (Dr. Eduardo Mondlane) – de se reunir e tomar decisões sozinhas e impondo tais decisões aos outros através de manipulações. O falecido presidente da FRELIMO foi criticado por algumas pessoas conscientes do Sul, de que tais métodos de trabalho poderiam no fim trazer problemas.”

O REGIONALISMO SUL DURANTE A LIDERANÇA DE SAMORA MACHEL

Durante a liderança do Presidente Samora Machel, o regionalismo Sul aumentou. Mesmo assim, os militantes da FRELIMO eram obrigados a gritar: “Abaixo o tribalismo”, “Abaixo o regionalismo”! Quem questionasse a existência do tribalismo e do regionalismo Sul corria o risco de ser fuzilado ou enviado sem arma para lutar no interior de Moçambique.

Após a independência de Moçambique a 25 de Junho de 1975, manteve-se o mesmo regionalismo do Sul que se pode verificar na nomeação dos ministros do primeiro governo da FRELIMO:

Marcelino dos Santos, Ministro do Desenvolvimento e Planificação Económica; Joaquim Alberto Chissano, Ministro dos Negócios Estrangeiros; Alberto Joaquim Chipande, Ministro da Defesa Nacional; Armando Emílio Guebuza, Ministro do Interior; Jorge Rebelo, Ministro da Informação; Mariano Matsinha, Ministro do Trabalho; Sebastião Marcos Mabote, Vice-Ministro da Defesa Nacional e Chefe do Estado-Maior General das Forças Populares de Libertação de Moçambique; Armando Panguene, Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros; José Óscar Monteiro, Ministro de Estado na Presidência; Joaquim Ribeiro de Carvalho, Ministro da Agricultura; Daniel Saul Mbanze, Vice-Ministro do Interior; Graça Simbine, Ministra da Educação e Cultura; Hélder Fernando Brígido Martins, Ministro da Saúde; Mário da Graça Machungo, Ministro da Indústria e Comércio; José Luís Cabaço, Ministro dos Transportes e Comunicações; Rui Baltazar dos Santos Alves, Ministro da Justiça; Júlio Zamith Carrilho, Ministro das Obras Públicas e Habitação e Salomão Munguambe, Ministro das Finanças.

POR QUE SÓ HOJE CHIPANDE DENUNCIA O TRIBALISMO E O REGIONALISMO SUL?

Conforme mostra a fotografia, o único ministro negro que representava o Centro e Norte de Moçambique neste governo de Samora Machel foi Alberto Joaquim Chipande, que só hoje se queixa do tribalismo e regionalismo do Sul. Importa lembrar que foi durante os governos de Joaquim Chissano e Armando Guebuza que começou a haver um ligeiro equilíbrio na nomeação dos dirigentes moçambicanos.

Por que so´ hoje Chipande denuncia o tribalismo e o regionalismo Sul?

O General Chipande sabe hoje, mais do que nunca, que o Sul não vai deixar a FRELIMO de Mondlane, Samora, Chissano, Guebuza e que é a continuação da UDENAMO, se perder no Norte e Centro de Moçambique. Conforme este autor escreveu no seu livro, a FRELIMO foi temporariamente cedida aos macondes devido à contribuição que jovens oficiais militares macondes deram para a derrota do grupo Nkavandame-Gwenjere.

A estratégia de cooptar jovens oficiais militares macondes para derrotar Lázaro Nkavandame é melhor recontada pelo Major General Domingos Fondo, um Sulista, que foi  comandante militar  da FRELIMO  na província de Cabo Delgado durante a luta de libertação  nacional. Na sua entrevista à “Guerra de Joaquim Furtado” da RTP, Major General Domingos Fondo disse o seguinte:

“Qual foi realmente a estratégia que usamos para podermos derrotar o Nkavandame? Reorganizamos as estruturas políticas. Tiramos o Nkavandame e colocamos o próprio chefe de DD (Departamento Provincial de Defesa de Cabo Delgado) que é Pachinuapa. Raimundo Pachinuapa, (você) fica como chefe (em Cabo Delgado). Nkavandame, (você está) fora.”

É importante salientar que, de acordo com a hierarquia mostrada na fotografia aqui publicada, com a morte do Presidente Machel, deveria ser a vez de Marcelino dos Santos assumir o poder. No entanto, Chissano, como moçambicano nativo ou originário, assumiu o poder. Segundo a mesma hierarquia, depois de Chissano, deveria ter entrado o Chipande. Mas entrou Armando Guebuza. Depois de Armando Guebuza, ainda houve tentativas de deixar o Chipande de fora.  Mas este não deixou isso acontecer.

QUEM SEMEIA VENTO, COLHE TEMPESTADE

As pessoas colhem o que plantam. O povo moçambicano nunca esteve unido, ao contrário do que alguns académicos querem fazer crer. Reclamam do tribalismo e da incompetência vindos do Norte, esquecendo que o tribalismo e a incompetência sempre existiram na FRELIMO. Quem é mais competente neste país do que o incorruptível Dr. Rosário Fernandes, da Autoridade Tributária, que foi antagonizado?

A FRELIMO sempre foi um movimento e um partido tribal e regionalizado. Quem não se lembra de como sofrem ou são agredidos os membros dos partidos da oposição nas províncias do Sul de Moçambique, particularmente em Gaza e Inhambane, sempre que temos eleições, por serem considerados membros de partidos do Norte? No entanto, os dirigentes da FRELIMO nunca se preocupam com esta falta de unidade do povo moçambicano. Pelo contrário, eles riem.

Mas o que muito me incomoda não é só isso. É o facto de os partidos da oposição procurarem seguir o mesmo caminho de tribalismo e de regionalismo que a FRELIMO sempre seguiu. É hora de perguntar: por que votar?!

(NB: O artigo contém excertos retirados da segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionário” à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira. O leitor pode também ler este e outros artigos relacionados no https://umpadrevolucionario.com/language/pt/).

Comments

  1. Considero acertado o comentário de Lawe Laweki em relação ao discurso de Joaquim Chipande sobre o Tribalismo na Frelimo. Aqui vale dizer-se” Mudam-se os tempos e mudam-se as vontades. A narração do percurso do tribalismo no moovimento com referência á vários actores reduz a denúncia de Chipande a um nível de propaganda meramente eleitoral e não de busca de soluções para se combater efectivamente o tribalismo em Moçambique

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