MARIANO MATSINHE: “HOUVE MUITAS FALHAS […]. PERDÃO, NÃO. NÓS NÃO VAMOS PEDIR PERDÃO”

Para assinalar o 60º aniversário da fundação da FRELIMO, o General da Reserva Mariano de Araujo Matsinhe concedeu uma entrevista à DW África. A entrevista destaca duas questões históricas: a Operação Produção e o assassinato de prisioneiros políticos. Relativamente à Operação Produção, Matsinhe foi perguntado se concorda que este projeto foi um erro e que a FRELIMO deve pedir desculpas ao povo moçambicano por isso. Ele também foi perguntado se concorda que os chamados centros de reeducação foram campos de tortura. Ele respondeu dizendo:

A ideia principal era colocar todos os desempregados a fazer qualquer coisa, porque Moçambique é muito grande e temos a terra. Houve muitas falhas porque também não tínhamos experiência na área e tivemos que abandoná-lo. […]. Perdão, não. Nós não vamos pedir perdão. A ideia era boa e é boa até hoje […]. Não eram campos de tortura política. Não houve nenhuma tortura.

Quanto ao assassinato de prisioneiros políticos, tudo o que Mariano Matsinhe respondeu foi o seguinte: Não fizemos nenhum erro. Quem traísse a luta de libertação nacional era fuzilado e ponto final.”

Tendo respondido extensivamente as perguntas sobre a Operação Produção e os chamados Centros de Reeducação, este autor esperava que ele também falasse longamente sobre a detenção e o assassinato de líderes nacionalistas. Tudo indica que houve de facto um juramento por parte dos dirigentes da FRELIMO de permanecerem calados e não falarem sobre este assunto. Importa recordar que numa entrevista a jornalistas moçambicanos em Janeiro de 1991, o Presidente Joaquim Chissano deixou claro que o seu Partido não estava disposto a reabrir este dossiê de prisioneiros políticos e queria que o assunto fosse esquecido.

GRANDES LÍDERES NÃO APENAS ADMITEM SEUS ERROS, MAS PEDEM PERDÃO

Durante quase meio século, a vida do martirizado povo moçambicano foi caracterizada por sofrimento, angústia, miséria e guerras fratricidas, tudo devido à má governação e abusos cometidos pelo Partido Frelimo. Apesar de reconhecer que falharam o general Mariano Matsinhe diz que o seu partido não vai pedir desculpas, esquecendo que, ao assumir as rédeas da governação, a Frelimo tem contas a prestar ao povo moçambicano. Grandes líderes pedem perdão ou desculpas porque sabem que é um acto nobre. Pedir desculpas a todas as vítimas e às famílias das vítimas é uma forma de expressar arrependimento por algo errado que foi feito, de expressar que esse erro não foi intencional e que não será repetido.

MARIANO MATSINHE DIZ QUE NÃO HOUVE TORTURA NOS CAMPOS DE REEDUCAÇÃO. NÃO ESTÁ A MENTIR?

Foto extraída do Público Magazine de 25 de Junho de 1995. Veja aqui: https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2010/10/os-campos-da-vergonha-a-hist%C3%B3ria-in%C3%A9dita-dos-centros-de-reeduca%C3%A7%C3%A3o-em-mo%C3%A7ambiquerepeti%C3%A7%C3%A3o.html

Logo após o estabelecimento do governo provisório em Moçambique, em 20 de Setembro de 1974, a FRELIMO embarcou numa campanha sem precedentes de caça ao homem. Inspirada em modelos aplicados por regimes socialistas totalitários, como o “Laogai” Chinês, o “Gulag” Soviético, e os “Campos da Morte” (“Killing Fields”) dos Khmer Rouge no Camboja, a FRELIMO anunciou a criação de campos de reeducação ou “Centros de Reeducação”, como assim foram designados. Havia 14 “Centros de Reeducação” espalhados por todo o Moçambique: três na província do Niassa, três em Cabo Delgado, três na província da Zambézia, dois em Sofala, dois em Inhambane, e um em Maputo, na Ilha de Xefina.

Questionado se concordava que os campos de reeducação foram campos de tortura, Mariano Matsinhe respondeu negativamente. No entanto, sabe-se que nesses chamados centros de reeducação as pessoas eram enterradas vivas, frequentemente violentadas e morriam diariamente por espancamentos, fuzilamentos, doenças e desnutrição. O Público Magazine de 25 de Junho de 1995 que publicou esta fotografia dos campos da vergonha revela que de um total de 1800 prisioneiros políticos que entraram no Centro de Reeducação da M’telela, apenas 100 saíram vivos.

NÃO RECONHECER QUE HOUVE ERROS E ABUSOS NO ASSASSINATO DE LÍDERES NACIONALISTAS É UM CONVITE À RECORRÊNCIA DESSES ABUSOS E DA VIOLÊNCIA

Escrever ou interpretar a história de forma enganosa e não reconhecer os erros e os abusos do passado é um convite à recorrência da violência. A política da FRELIMO de querer tapar o sol com a peneira, ignorando os problemas do passado, é a razão de ser da presenta situação que Moçambique enfrenta. 

As gerações presentes e futuras precisam compreender a razão dos conflitos internos durante a luta de libertação nacional com vista a garantir que as mesmas conheçam as dolorosas fases da nossa história para evitar que os mesmos problemas se repitam no futuro.

Conforme escreveu o padre Sul-Africano, Michael Lapsley, na abertura do livro “Mateus Pinho Gwenjere-Um Padre Revolucionario”, os cidadãos precisam ter uma noção clara do que aconteceu no passado:

“A Comissão da Verdade e Reconciliação (Sul-Africana) (TRC) deu-nos uma grande vantagem para o que precisa ser uma jornada intergeracional de cura nacional […]. A tentação é procurar enterrar e esquecer o passado, o que nunca funcionou em nenhum lugar do mundo. A evidência que existe é que as feridas não cicatrizadas do passado voltam a afectar-nos, seja como indivíduos, comunidades ou nações […]. Em diferentes partes do mundo, as pessoas frequentemente perguntam se precisam de uma Comissão da Verdade e Reconciliação. A grande questão é: como lidamos com o passado? É desejável que, tanto quanto possível, haja reconhecimento e um pedido de desculpas onde quer que a ordem moral tenha sido transgredida. Mas também, na medida do humanamente possível, toda a nação precisa de ter uma visão clara do que aconteceu no passado, em particular o que foi  feito secretamente […]. Embora não possa haver equivalência moral entre o  Colonialismo e aqueles que  lutaram contra ele, isso não significa  que  os   libertadores não transgrediram a ordem moral, mesmo enquanto lutavam pela liberdade. E, claro, houve novas feridas criadas desde a independência que precisam de cura.”

Para o bem-estar do martirizado povo moçambicano, este é um apelo ao governo do Partido da Frelimo para que coloque a mão na consciência, para que, no mínimo, reflicta se as guerras que os grupos armados beligerantes travam contra o seu governo desde a independência, semeando luto e dor no seio da família moçambicana, são da exclusiva responsabilidade desses grupos armados ou são também da sua responsabilidade.

Quase meio século, desde que Moçambique se tornou independente em 1975, é um período bastante longo para um povo continuar em guerras infrutíferas, no sofrimento, na miséria; para não falar do desperdício de vidas  humanas  e  da  destruição  de  infraestruturas.

É uma grande ilusão pensar que a verdade pode ser escondida para sempre. “A história não se apaga”, conforme bem disse o Presidente Angolano João Lourenço. Enquanto a necessidade de sarar as “feridas não cicatrizadas do passado” e de enveredar por uma reconciliação nacional verdadeiramente genuína não for devidamente reconhecida e respeitada, não pode haver paz verdadeira e duradoura.

Tenho um sonho: chegará um dia, num futuro muito próximo, em que alguns dos heróis de hoje serão considerados os vilões de amanhã e muitos dos chamados vilões de hoje serão considerados heróis. Tenho um sonho [I have a dream]!


(NB: O artigo contém excertos retirados da segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionário” à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira. O leitor pode também ler este e outros artigos relacionados no https://umpadrevolucionario.com/language/pt/).

Comments

  1. A história da luta de libertação de Moçambique conduzida pela Frente de Libertação de Moçambique( Frelimo), bem como os actos do Governo da Frelimo que goverrna o País desde 1975 bem como as atrocidades e os crimes cometidos contra cidadãos inocentes estão suficintemente documentados. A exemplo de outros povos que envedaram pelo processo de cura e reconciliação deveriam saber todos aqueles que estiveram na liderança desta fase trágica de matanças e assassinatos que o sangue que derramaram pode voltar contra eles próprios sob forma de vingança. O Mundo criou tribunais especializados para lidar com casos de crimes contra a humanidade, de genocídio, de guerra, de agressão, de apartheid entre outros. Seria deprimente ver e ler que algum dos casos dos crimes ocorrido em Moçambique cometido durante as inúmeras guerras que tiveram lugar no País venha a ser apresentado a alguma instância de justiça internacional para exigir o fim da impunidade pelos actos perpretados e que os seus actores sejam condenados mesmo que isso aconteça a título póstumo. Uma situação que um sincero pedido de desculpas poderia resolver e amenizar as culpas, como aconteceu com os crimes do apartheid na vizinha África do Sul. Não foi necessário recorrer ao Tribunal Penal Internacional ou Corte de Justiça das Nações Unidas ou Tribunal Interncional para os crimes relacionados com os Direitos Humanos.

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