DESMENTINDO A VERSÃO DE SÉRGIO VIEIRA SOBRE A MORTE DE MONDLANE NO ARTIGO “BOMBA FABRICADA NA BEIRA” DO SEMANÁRIO “DOSSIER & FACTOS”

Num artigo intitulado “53 anos da morte de Mondlane: Bomba fabricada na Beira”, o Semanário “Dossier & Factos” publicou as mentiras de Sérgio Vieira sobre o assassinato do Presidente Eduardo Mondlane em Dar-es-Salaam, Tanzânia.

Importa realçar aqui que Sérgio Vieira não estava na Tanzânia quando o Presidente Mondlane foi morto a 3 de Fevereiro de 1969. Ele havia sido expulso daquele país em meados de 1968, tendo regressado três anos depois, em 1971, para ser preciso.

O suposto envolvimento do conhecido sacerdote belga, Charles Pollet, e de Uria Simango na morte do Presidente Eduardo Mondlane foi inúmeras vezes desmentido por este autor, bem como por Barnabé Lucas Ncomo, autor do livro “Uria Simango: Um homem, Uma causa”. Para quem ainda não teve a oportunidade de ler tais desmentidos, aqui vai este artigo esclarecedor.

Sérgio Vieira acusou o Padre Pollet de ter recebido, em Blantyre no Malawi, de agentes da administração colonial portuguesa, a bomba que vitimou o Presidente Eduardo Mondlane. Importa referir, no entanto, que nunca, em nenhum momento, este “santo” Padre, manteve relações de amizade com as autoridades da administração colonial portuguesa.

Em 1966, ele foi transferido da Missão de Murraça para a Missão de Gorongosa devido às suas actividades subversivas que a PIDE considerou como sendo “altamente prejudiciais contra a soberania nacional”. Continuando com tais actividades em Gorongosa, ele foi declarado persona non grata, tendo sido expulso de Moçambique em Julho de 1967.

Mas também, se houvesse alguma verdade na acusação de que foi ele quem transportou a bomba, de Blantyre, Malawi, para a Tanzânia com o objectivo de matar o líder do movimento de libertação de Moçambique, teria sido preso pelas autoridades tanzanianas e deportado para o seu país de origem assim que a INTERPOL concluiu a investigação em Maio de 1969.

Sabe-se, no entanto, que o Padre Charles Pollet que, desde a sua infância, sempre desejou servir os negros em África, continuou com o seu trabalho missionário na Tanzânia durante 30 anos, isto é, de 1968 a 1998: Em 1968, o Padre Pollet foi transferido para a Diocese de Mbeya, na Tanzânia, onde trabalhou nas Paróquias de Galula e Mwambi. Quatro anos mais tarde, em 1972, ele foi transferido para a Diocese de Rulenge, onde trabalhou em várias paróquias, incluindo Bushangaro, Kimwani e Chato. Em 1987, foi colocado no Seminário de Katoke. Em 1988, foi nomeado pároco em Chato e Kimwani. Em 1998, devido à sua idade avançada, deixou a Tanzânia para a sua terra natal, a Bélgica, onde, por alguns meses, viveu em Berchem. Em 1 de Julho de 1998, o Padre Pollet foi transferido para Namur, no sul da Bélgica, onde morreu em 12 de Abril de 2003, aos 86 anos de idade.

No livro “Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionario” publicado por este autor, o Padre Fernando Pérez Prieto escreveu o seguinte sobre este “santo” Padre:

“O Padre (Charles) Pollet voltou para a sua terra natal, Bélgica, já velho. Convencido de que havia cumprido a sua missão na Terra, ele frequentemente se dirigia ao Pai Celestial dizendo: ‘Pai, você se esqueceu de mim? Aqui estou eu sem saber até quando’. Sempre alegre, morreu repentinamente no Domingo de Ramos, em 12 de Abril de 2003.”

Segundo Sérgio Vieira, a bomba foi transportada de Blantyre para Mbeya pelo Padre Charles Pollet, tendo em seguida dois seguidores mais próximos do Vice Presidente Uria Simango, nomeadamente Samuel Dhlakama e Silvério Nungu, transportado esta mesma bomba de Mbeya para Dar-es-Salaam bem como tendo a feito chegar ao Dr. Mondlane. Estranhamente, em nenhum momento os indivíduos acima acusados (Uria Simango, Silvério Nungu e Samuel Dhlakama) foram detidos pelo Governo de Tanzânia pelo seu alegado envolvimento no assassinato do Presidente Mondlane. Note-se que enquanto houve líderes da FRELIMO que foram detidos depois da morte do Presidente Mondlane, Uria Simango foi o único líder sénior deste movimento que esteve livre e presente no funeral do Dr. Mondlane, tendo, conforme demonstra a fotografia no supracitado artigo, dirigido a ceremónia fúnebre.

Em pé:Sebastião Mabote, Alberto Chipande, Joaquim Chissano, o ex-seminarista José Trindade, Eduardo Mondlane, Samora Machel e Francisco Manyanga. Segunda fila da esquerda: Olimpio Vaz, Eduardo Coloma, Uria Smango e Albert Sithole. Fonte: Centro de Documentação e Formação Fotográfica.

Importante destacar aqui a contradição entre a afirmação do Sérgio Vieira e a afirmação do Presidente Joaquim Chissano na sua entrevista exclusiva às “Memórias da Revolução” (1962-1972). Diferentemente do Sérgio Vieira, o Presidente Joaquim Chissano explicou que a bomba foi transportada do Lago Niassa para Dar-es-Salaam e não de Blantyre para Dar-es-Salaam. O Presidente Joaquim Chissano não identificou os nomes das pessoas que transportaram a bomba do Lago Niassa a Dar-es-Salaam.

O artigo do Semanário “Dossier & Factos” alega ainda que terá ficado “claro que Uria Simango teria participado dos planos para o assassinato de Mondlane”. Note-se que a liderança de Samora-Marcelino dos Santos acusou vários líderes dissidentes da FRELIMO de envolvimento no assassinato do Presidente Mondlane, independemente de onde essas pessoas se encontravam naquele momento. Para o Presidente Samora Machel, os acusados da primeira linha foram o Padre Mateus Gwenjere, Silvério Nungu, Uria Simango, Lázaro Nkavandame, Leo Milas e Samuel Dhlakama:

“O plano (do assassinato) foi arquitectado pela PIDE, que através de uma rede que incluia reaccionários infiltrados nas nossas fileiras, como Mateus Gwengere, Silvério Nungu e outros, fez chegar às mãos do Presidente Mondlane um livro contendo um engenho explosivo […]. Ao mesmo tempo, para encobrir a cumplicidade de Uria Simango no crime, os reaccionários simularam um atentado contra ele […]”.

Importa referir, no entanto, que quando o Presidente Eduardo Mondlane foi assassinado a 3 de Fevereiro de 1969, aproximadamente dois meses antes, o Padre Gwenjere havia sido detido, e depois da sua soltura, foi imediatamente exilado para a região de Tabora, no centro-Oeste da Tanzânia, onde foi entregue aos cuidados do Arcebispo Mark Mihayo, da Arquidiocese de Tabora, para se dedicar exclusivamente às suas actividades religiosas. Claramente, o livro-bomba não teria “chegado às mãos do Presidente Eduardo Mondlane” através dele, segundo alega o Presidente Samora Machel no seu supracitado discurso.

Não Terá Havido Outros Culpados?

Parecia não haver fim às crises que assolavam o movimento de libertação da FRELIMO. A crise de 1968 foi considerada a pior de todas as crises, tendo resultado no encerramento do Instituto Moçambicano e nos assassinatos de Mateus Sansão Muthemba e de Paulo Samuel Kankhomba.

Esta situação sombria no seio do movimento da FRELIMO não deixou de preocupar o Governo de Tanzânia, principalmente, o seu líder, Presidente Julius Nyerere, que foi ele quem encorajou o Dr. Eduardo Mondlane a abandonar o seu emprego nas Nações Unidas e seguir para o seu país, então Tanganica, para, a tempo inteiro, ajudar à liderar as organizações nacionalistas moçambicanas. No entanto, com o andar do tempo, ter-se-á notado que, para além deste convite, o Presidente Julius Nyerere e o Dr. Eduardo Chivambo Mondlane não tinham nada em comum. Eles não pertenciam ao mesmo campo ideológico.

Importa referir ainda que, durante aquele período conturbado da Guerra Fria, a República Popular da China, cujos instrutores militares treinavam combatentes da FRELIMO no Campo Militar de Nachingwea; países socialistas com professores no Instituto Moçambicano, incluindo a União Soviética com a sua estratégia expansionista; não viam ao Dr. Mondlane com bons olhos, pois este não prestava atenção à ideologia socialista. Refira-se igualmente, que o Presidente Eduardo Mondlane não estava alinhado com outros líderes proeminentes da FRELIMO quanto ao caminho ideológico que o movimento deveria seguir, conforme relata a sua esposa, a Senhora Dona Janet Mondlane:

“A ideia de Eduardo (era) de que as ideologias não eram de sustentar nenhuma população. É preciso, em primeiro lugar, educar a população. Esse é (objectivo) número 1. Segundo, a partir de educação, (a população) vai ter todos outros benefícios da Independência […]. Ele era muito pragmático. Talvez foi uma das contradições com as pessoas mais ideólogas na FRELIMO, como Marcelino dos Santos.”

Isto posto, acredita-se que o Presidente Mondlane tenha sido deliberadamente transformado num cordeiro sacrificial (sacrificial lamb), com o conhecimento ou mesmo com o envolvimento directo do Governo de Tanzânia, durante a Guerra Fria, por forma a garantir uma viragem ideólogica do movimento da FRELIMO bem como a tão desejada tranquilidade deste movimento revolucionário moçambicano.

Note-se que, logo após o assassinato do Presidente Eduardo Mondlane, instalou-se na FRELIMO uma liderança que, para além de guindar o movimento numa curva drástica para a esquerda, estabeleceu uma forte aliança com o líder tanzaniano. Refira-se ainda que a mesma liderança, embora através do terror e da repressão, trouxe a tranquilidade que também o Governo de Tanzânia tanto desejava para o movimento da FRELIMO.

No seu livro “25 de Abril – Episódio do Projeto Global” (1997:166), Fernando Pacheco do Amorim faz revelações incriminatórias sobre a estratégia expansionista da ex-União Soviética para reverter a situação a seu favor durante o conflito político ideológico da Guerra Fria entre 1960 e 1970:

“No verão de 1992, o procurador geral da República da Rússia entregou as instâncias superiores do Estado Português um importante e oportuno documento incriminatório, onde se relata a transferência ilegal de avultados fundos da ex-USSR para o PCP (Partido Comunista Português) e outras organizações de espionagem e subversão, que tiveram por missão destruir Portugal e entregar Angola, Guiné e Moçambique ao expansionismo soviético”.

No funeral de Dr. Mondlane. Da esquerda: Uria Simango, Chude atrás de Eduardo Júnior e Janet Mondlane. Fonte: Centro de Documentação e Formação Fotográfica. Maputo

As perguntas de pessoas atentas persistem: Por que é que o Governo de Tanzânia não divulga os resultados de investigação sobre o assassinato do Dr. Mondlane? O que é que o Governo tanzaniano estará a esconder até a presente data? Mais de meio século se passou após a INTERPOL ter concluído a sua investigação em Maio de 1969.

Refira-se que na sua entrevista à “Guerra de Joaquim Furtado” da RTP, a Senhora Dona Janet Mondlane, reclamou que os resultados do inquérito sobre a morte do seu marido, Dr. Eduardo Mondlane, não foram revelados, nem mesmo para ela:

“Eu trabalhei muito com um polícia e de repente o homem foi transferido para o norte, para Moshi, um lugar muito ao norte de Tanzânia. Nunca mais ouvi deste homem. Para mim, este homem estava a cavar coisas que o próprio Governo de tanzânia não quis revelar e até agora estas coisas estão escondidas […]. Eu nunca vi nenhum documento sobre a morte de Mondlane, nem fotografias.”

Numa outra passagem da sua entrevista, a Senhora Dona Janet Mondlane disse:

“[…] para mim, para a nossa família, as coisas não estão ainda claras”.

Tantas mentiras espalhadas só porque as pessoas visadas não podem se defender! Quo vadis, Moçambique?

(NB: O artigo contém excertos retirados da segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionario” à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira).

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