ANTIGOS SEMINARISTAS DO ZÓBUÈ, DA ÉPOCA DO PADRE GWENJERE, QUE A FRELIMO MATOU

O Bispo da Beira, Dom Sebastião Soares de Resende, comprou uma quinta em Zóbuè, no distrito de Moatize, província de Tete, muito próximo da fronteira com o Malawi. Ele mandou construir nesta quinta um seminário menor que ficou conhecido como Seminário de São João de Brito do Zóbuè.

Poucos seminaristas que passaram pelo Seminário do Zóbuè foram ordenados sacerdotes durante o período colonial português. Incluídos na lista estão os padres Mateus Pinho Gwenjere, Manuel Sabudo Mucaúro e Jaime Pedro Gonçalves, da Diocese da Beira; Padre Domingos Gonçalo Ferrão, da Diocese de Tete; e o Padre Paulo Mandhlate da Congregação do Ssmo. Sacramento. O Padre Paulo Mandhlate foi o primeiro bispo africano de Tete entre 1976 e 2009.

Após a sua ordenação como Padre Secular (diocesano) em 1964, Manuel Sabudo Mucaúro foi estudar medicina, tendo em seguida trabalhado na cidade da Beira como missionário e médico no Hospital de Macúti. Os Padres Manuel Mucaúro e Domingos Ferrão morreram há vários anos, enquanto que o Bispo Dom Paulo Mandlate morreu em 2019.

SEMINARISTAS DE ZÓBUÈ ORDENADOS SACERDOTES E ENVOLVIDOS NA LUTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL

O Padre Mateus Pinho Gwenjere da Missão de Murraça, no Centro de Moçambique, envolveu-se na luta pela independência desde a sua ordenação ao sacerdócio em 1964, defendendo os direitos dos negros à sua cultura e língua; mobilizando as pessoas para a desobediência civil; instando-as a se recusarem a cultivar algodão e a serem removidos à força das suas terras de origem; bem como mobilizando e enviando jovens moçambicanos à Tanzânia para se juntarem à FRELIMO.

Após vários anos de actividade política clandestina em Moçambique, o Padre Gwenjere ingressou na FRELIMO, na Tanzânia, em 1967. Confrontado com a realidade do seio do movimento, ele liderou a campanha para a realização do Segundo Congresso da FRELIMO bem como para a realização de reformas que ele e outros líderes revolucionários consideravam oportunas. Por exigir tais reformas e o Segundo Congresso que a liderança da FRELIMO não queria que fosse realizado, em pouco tempo o Padre colidiu com a direcção da FRELIMO. Após a independência em 1975, ele foi sequestrado por agentes da FRELIMO em Nairobi, no Quênia, onde vivia exilado e morto num local, data e em circunstâncias que ainda não foram oficialmente esclarecidas.

Padre Mateus Gwenjere, no Quênia, informando um funcionário da ONU, William Sach, sobre a situação conturbada no movimento da FRELIMO. Fonte: Lawe Laweki.

O Padre Domingos Gonçalo Ferrão foi ordenado sacerdote secular diocesano por Dom Félix Niza Ribeiro em Zóbuè em 29 de Junho de 1964. A sua primeira estação missionária foi na Missão de São Pedro Claver do Charre, no distrito de Mutarara. Em 1965, o Padre Ferrão foi transferido para a Missão de São Pedro Apóstolo em Tete e, alguns anos depois, para a Paróquia de São José de Tete.

Foi através do relatório compilado por Padre Ferrão, juntamente com os Padres “De Burgos”, que o sacerdote católico británico, Padre Adrian Hastings, alertou o mundo sobre o massacre de Wiriyamu em Tete, onde 400 aldeões foram mortos pelas tropas portuguesas nos dias 16 e 17 de Dezembro de 1972. O Padre Ferrão esteve igualmente envolvido no envio de jovens moçambicanos para se juntarem à FRELIMO.

Padre Domingos Ferrão na Missão de Charre em Mutarara. Fonte: Dr. J. Pampalk

ANTIGOS SEMINARISTAS DO ZÓBUÈ, DA ÉPOCA DO PADRE GWENJERE, QUE A FRELIMO MATOU

Os antigos seminaristas, da época do Padre Mateus Gwenjere no Seminário de Zóbuè, que se juntaram à FRELIMO incluíram os seguintes: João Joaquim Unhay, Júlio Razão Nihia, Arcanjo Faustino Kambeu, António Disse Zengazenga, Miguel Murupa, Paulo Emílio Marqueza, José Chicuara Massinga, Bernardo Ferraz e Eduardo Bacião Coloma.

Os seguintes antigos seminaristas, da época do Padre Gwenjere, foram mortos pela FRELIMO: Dr. João Joaquim Unhay, natural de Murraça, licenciado em Medicina na Universidade de Praga, capital da República Checa; Dr. Arcanjo Faustino Kambeu, natural de Morrumbala, licenciado em Pedagogia na Universidade de Praga; Dr. Júlio Razão Nihia, natural de Milange, licenciado em Literatura na Universidade de Praga; e Paulo Emílio Marqueza, natural de Quelimane, licenciado em Agricultura na Universidade de Amizade entre os Povos, em Moscovo, União Soviética.

Miguel Murupa colidiu com a liderança de Samora-Marcelino dos Santos por apoiar o Vice-Presidente da FRELIMO, o Reverendo Uria Simango. Murupa que afirma ter sobrevivido duma morte certa, rendeu-se ao regime colonial português durante a crise de 1968-1969 no movimento da FRELIMO.

“O meu caso foi desses, de ser integrado (pausa), integraram-me nesse grupo para depois ser abatido. Mas, felizmente, eu tinha comigo (pausa) um deles é o (Raimundo) Pachinuapa que me salvou […]. Foi ele que me salvou porque sabia (que) Miguel aí vai ser abatido. E ele mandou três homens, dois para irem para este combate e um para me acompanhar, (para) tirar-me dali. Foi assim que me salvei.”

José Chicuara Massinga, natural de Inhambane, regressou a Moçambique independente. No entanto, enquanto trabalhava no Ministério dos Negócios Estrangeiros, foi preso, acusado de ser agente da CIA. Após a sua soltura, ele fugiu do país, tendo regressado após a assinatura do Acordo Geral de Paz de 1992 em Roma. Ele morreu há vários anos.

Depois de concluir três anos de filosofia e dois anos de Teologia, António Disse Zengazenga, natural de Angónia, província de Tete, e autor do livro “Memórias de um Rebelde”, juntou-se à FRELIMO em Tanganica. Como Gwenjere, em pouco tempo, colidiu com a direcção deste movimento. No entanto, conseguiu escapar e actualmente vive exilado na Alemanha.

Este autor conhece apenas dois antigos seminaristas, da época do Padre Mateus Gwenjere no Seminário de Zóbuè, que se juntaram à FRELIMO e escaparam da ira da liderança deste movimento: Dr. Bernardo Ferraz e Dr. Eduardo Bacião Coloma. Mesmo sobre estes dois, a informação que este autor tem é que eles foram recuperados e reintegrados na FRELIMO graças ao Presidente Joaquim Chissano. Nos Arquivos da PIDE/DGS de 17 de Janeiro de 1970 com o título “Situação no Seio Dirigente da FRELIMO”; INFORMAÇÃO Nº. 112-CI2, o falecido Dr. Eduardo Bacião Coloma, que foi Deão do Instituto Moçambicano quando este autor militava na FRELIMO e Vice Ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique independente, aparece no quarto lugar na lista de seis dirigentes do “Grupo Simanguista”(grupo do Vice-Presidente Uria Simango) durante o período que o grupo Samora-Marcelino dos Santos arrebatou o poder na FRELIMO.

Outros antigos seminaristas, da época do Padre Mateus Gwenjere, que escaparam da ira da FRELIMO foram aqueles que, depois de deixar Moçambique, foram directamente para países ocidentais, como os Estados Unidos da América e a Europa, sem passar pela FRELIMO. Entre eles estão o Tomé Mbuya-João,Luis Benjamim Serapião, Mário de Azevedo, Eusébio Rodrigues e Carlos Anselmo.

Importa referir que, embora André Saene, Joaquim Marungo Bicho e Gilberto Waya tenham igualmente deixado Moçambique para os Estados Unidos e a Europa, sem passar pela FRELIMO, os mesmos foram detidos na Beira, juntamente com David Aloni, quando regressaram a Moçambique do estrangeiro durante o governo de transição dirigido pela FRELIMO.

Por razões não bem conhecidas, os quatro estudantes moçambicanos foram detidos na cidade da Beira em 1977. Quando estavam a ser transferidos para os chamados Centros de Reeducação no Norte de Moçambique, os mesmos foram interceptados pelo então governador da Zambézia, o falecido Bonifácio Massamba Gruveta, que, vendo o desperdício de quadros formados, decidiu recrutá-los para trabalharem na sua província.

Mais tarde, André Saene pertencente à Missão de Gorongosa e que o então arcebispo de Lourenço Marques, Dom Teodósio Clemente de Gouveia, considerou ser um seminarista “muito brilhante” no Seminário Maior de Namaacha, regressou à sua província natal de Sofala onde continuou a trabalhar como professor na cidade da Beira. Frustrado com o seu deplorável estado de vida, ele se autoflageou, tornando-se alcoólatra. Algum tempo depois, adoeceu e morreu.

Com este artigo, este autor quer demonstrar que o problema na FRELIMO, durante a luta armada, não estava com o Padre Mateus Gwenjere nem com outros líderes dissidentes, mas sim com a liderança da FRELIMO que não se dava bem com militantes educados e esclarecidos que questionavam as suas acções.

Interpretar a história de forma enganosa e não reconhecer os erros e abusos do passado, como continuam a fazer o médico Dr. Hélder Martins e o General da Reserva Mariano de Araújo Matsinhe, é um convite à recorrência desses abusos e da violência. A política da FRELIMO de distorcer os factos do passado é a razão de ser da presente situação que Moçambique vive.

É uma grande ilusão pensar que a verdade pode ser escondida para sempre. Chegará o dia em que alguns dos heróis de hoje se tornarão os vilões de amanhã e muitos dos chamados vilões de hoje se tornarão heróis. A história não se apaga!

(NB: O artigo contém excertos retirados da segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionário” à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira. O leitor pode também ler este e outros artigos relacionados no https://umpadrevolucionario.com/language/pt/).

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