A HISTÓRIA DA FRELIMO REESCRITA: SOBRE A “PURIFICAÇÃO DAS FILEIRAS” NA FRELIMO

O Ex-presidente Kenneth Kaunda da Zâmbia foi sem dúvida um bom líder. No entanto, ele permaneceu no poder por muito tempo e as pessoas ao seu redor já não lhe contavam toda a verdade. Ele estava a levar a Zâmbia à ruína e, ao mesmo tempo, estava a perder o apoio do povo, mas os seus conselheiros escondiam-lhe esta verdade. Foi assim apanhado de surpresa quando perdeu eleições em 1991. Note-se, no entanto, que ao contrário de muitos líderes africanos e provavelmente contra a vontade de seus conselheiros, Kaunda estabeleceu boa precedência ao admitir a derrota, entregando o poder a Frederick Chiluba. No Zimbábue, a história foi diferente: o Presidente Robert Mugabe recusou-se a entregar o poder quando Morgan Tsvangirai o derrotou em 2017. Não há dúvida de que na história da África, esses dois líderes serão lembrados de forma diferente.

O apelo, durante o 12º CONGRESSO DA FRELIMO, para “purificar as fileiras” contra os chamados infiltrados, e´um erro que deve ser evitado. Infelizmente, não faltam pessoas que lançam este tipo de apelos, com o perigo de provocar os mesmos problemas que o movimento da FRELIMO viveu durante a luta armada de libertação nacional na Tanzânia.

Após o assassinato do Secretário da Defesa e Segurança Filipe Samuel Magaia, a FRELIMO viveu um período de grande turbulência. Houve uma onda de perseguições, detenções e assassinatos deliberados e a sangue frio. Na verdade, foi isso que veio a ser denominado de “purificação das fileiras” no movimento da FRELIMO.

A purificação das fileiras no campo de treinamento militar de Nachingwea. Samora Machel inspeccionando “contrarrevolucionários” desfilados. Fonte: Centro de Documentação e Formação Fotográfica. Maputo

No seu documento intitulado “A Situação Sombria na FRELIMO” (The Gloomy Situation in FRELIMO), o vice-presidente da FRELIMO, Uria Simango, admitiu que os combatentes assim perseguidos, após o assassinato de Magaia,   beneficiavam da protecção dos aldeões nas “zonas libertadas”, principalmente na Província de Cabo Delgado. Esses aldeões entendiam que tais perseguições e assassinatos não ajudavam a unir os moçambicanos no propósito comum de libertar Moçambique:

“Muitas queixas de maus-tratos e penas de morte desnecessárias aos combatentes e à população em geral chegaram à sede da FRELIMO. Tais queixas, particularmente na Província de Cabo Delgado, atingiram uma fase alarmante no início de 1967. Quando interrogados, os líderes militares recusavam estar a cometer tais crimes. Em finais de 1967, os dirigentes políticos de Cabo Delgado (chairmen e o Secretário provincial) acusaram a Direção da FRELIMO de dar instruções (autorização) ao exército para matar à vontade. As deserções em Cabo Delgado e Niassa aumentaram drasticamente. Havia muitos fatores, mas uma das razões apresentadas foi que havia assassinatos impiedosos de combatentes e punições severas por delitos menores, mesmo de natureza pessoal. Isto era mais frequente na Província de Cabo Delgado. A situação agravou-se em finais de 1967 e inícios de 1968, quando os chairmen de Cabo Delgado, por iniciativa própria, anunciaram que não deveriam ser aplicadas mais punições desta natureza na sua província. A cooperação entre os líderes políticos e o exército reduziu consideravelmente. Os que desertavam do exército para as aldeias encontravam a proteção dos aldeões e não podiam mais ser recuperados.”

Após o assassinato do Presidente Eduardo Mondlane, a FRELIMO ficou muito mais dividida. A liderança de Samora-Marcelino dos Santos passou a dividir os combatentes da luta de libertação nacional da FRELIMO em duas alas: os combatentes “revolucionários” e os “contrarrevolucionários” ou “reacionários”. Os combatentes “contrarevolucionários” ou “reacionários” eram todos aqueles que apoiavam o grupo Nkavandame-Gwenjere e Uria Simango que, na verdade, constituíam a maioria.

Após a independência em Moçambique, esta liderança não tardou para que mergulhasse Moçambique num banho de sangue. Inspirada em modelos aplicados por regimes socialistas totalitários – como o “Laogai” Chinês, o “Gulag” Soviético, e os “Campos da Morte” (“Killing Fields”) dos Khmer Rouge no Camboja – esta liderança anunciou a criação de campos de reeducação ou “Centros de Reeducação”, como assim eram designados. Entre 1974 e o início da década de 1980, milhares de pessoas, incluindo cidadãos honestos e inocentes, foram enviadas para esses campos, onde muitas delas foram mortas, o que resultou numa guerra fratricida.

Meio século após a independência, as feridas não cicatrizadas do passado continuam a afetar Moçambique como nação.


NB: Pode ler este e outros artigos relacionados no https://umpadrevolucionario.com/language/pt/

As referências bibliográficas e notas finais deste artigo foram omitidas. Uma referência detalhada pode ser encontrada na segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” a partir do qual este artigo foi extraído. O livro encontra-se à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira.