A HISTÓRIA DA FRELIMO REESCRITA: PRESIDENTE MONDLANE CONCORDA EM REALIZAR REFORMAS

Durante um ano, este autor procurou resumir nestas páginas a segunda edição do seu livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” com a esperança de que mais leitores, intelectuais, académicos e historiadores conhecessem de fundo a história do movimento da FRELIMO. Contando-me entre os moçambicanos que presenciaram acontecimentos marcantes da história deste movimento, sinto-me com a autoridade necessária para relatar acontecimentos ocorridos no movimento até aos anos setenta.

Na segunda edição do livro, este autor refuta  as acusações do governo da Frelimo de que os líderes nacionalistas que o governo de Samora-Marcelino dos Santos matou — nomeadamente o Padre Mateus Gwenjere, o Reverendo Uria Simango, Lázaro Nkavandame, Raul Casal Ribeiro; os dirigentes do COREMO (Paulo Gumane, Adelino Gwambe e Dr. Arcanjo Faustino Kambeu); e muitos outros nacionalistas — eram traidores, contrarrevolucionários e inimigos da Revolução Moçambicana. Através de provas factuais e documentais, o autor demonstra que são de facto nacionalistas e guardiões legítimos do legado da Revolução Moçambicana.  Neste mês de Eduardo Chivambo Mondlane que foi um grande líder, herói e mártir revolucionário, não deveríamos homenagear aqueles que são os verdadeiros heróis?

Durante o curto período de sua estadia em Dar-es-Salaam, Tanzânia (16 meses – de Setembro de 1967 a Dezembro de 1968), o Padre Mateus Gwenjere convenceu o Presidente Eduardo Mondlane a realizar reformas. Além disso, este Padre foi rapidamente aceite e considerado uma pessoa afável pela comunidade Maconde representada pelo Conselho de Anciãos (Baraza-la-Wazee). Ele não poupou esforços para aumentar a consciência política daquele grupo. Comia com eles e ouvia os seus problemas, como nenhum outro líder da FRELIMO tinha feito antes. Ao mesmo tempo, começou a ser recebido em audiência pelos dirigentes do Governo da Tanzânia com quem trabalhou em estreita ligação para concretizar reformas no movimento da FRELIMO.

Conforme revelado no artigo anterior, além de se opor à “guerra prolongada”, o Padre Gwenjere e os membros do Baraza-la-Wazee estavam contra os maus-tratos dos combatentes de liberdade. Eles acusavam o exército da FRELIMO de matar os militantes a seu bel-prazer. No final de 1967, este Conselho de Anciãos anunciou que não deixariam mais o exército da FRELIMO matar ou punir combatentes por delitos menores na Província de Cabo Delgado. Escrevendo sobre esta questão no seu documento intitulado “The Gloomy Situation in FRELIMO” (“Situação Sombria na FRELIMO”), o Vice-Presidente Uria Simango admitiu que os combatentes que fugiam e procuravam a proteção dos aldeões na Província de Cabo  Delgado, recebiam essa proteção e nunca mais eram recuperados pelo exército da FRELIMO.

O Padre Gwenjere condenava tendências tribais e regionais no movimento, notando que as mesmas não ajudariam a unir os moçambicanos no propósito comum de libertar o país. No seu livro “Vidas, Lugares e Tempos”, o Presidente Joaquim Chissano confirmou a existência de  problemas no   movimento   da  FRELIMO  devido à falta de paridade. Ele escreveu que, assim que chegou a Dar-es-Salaam em Setembro de 1963, o Presidente Mondlane levou-o para uma  reunião com o Conselho de Anciãos:

“A reunião (com o Conselho de Anciãos) era sobre a necessidade de admitir como funcionária da Sede Provisória da FRELIMO uma jovem maconde para que também houvesse gente  do  Norte  do  país  a  trabalhar  no escritório. Tinha de se acabar com Ubaguzi”(uma palavra suaíli que significa  discriminação).

Devido à pressão exercida pelo grupo Nkavandame-Gwenjere, a liderança da FRELIMO realizou uma reunião do Comitê Central da FRELIMO de 25 de Agosto a 1 de Setembro de 1968. A  reunião introduziu mais reformas, com vários “Nortenhos” a serem promovidos para o Comité Central da FRELIMO e para outros cargos de chefia, como forma de demonstrar reformas ao Governo da Tanzânia e ao Comitê de Libertação  da  OUA.

Em Fevereiro de 1968, devido à intervenção do Padre Gwenjere, o Governo da Tanzânia expulsou duas senhoras Britânicas, nomeadamente Polly Gaster que substituiu Betty King como secretária administrativa do Instituto Moçambicano e Margaret Dickinson. As duas senhoras chegaram como turistas à Tanzânia e o Presidente Mondlane as recrutou para trabalharem no Instituto Moçambicano, o que pela lei da Tanzânia não era permitido.

Em Maio de 1968, a intervenção do Padre Gwenjere resultou na expulsão de moçambicanos brancos de origem portuguesa, nomeadamente o Dr. Helder Martins e a sua família; Fernando Ganhão; e Jacinto Veloso; bem como a expulsão de uma senhora sueca, Brigitta Kalström, que era professora de inglês no Instituto. Ela foi expulsa devido ao seu relacionamento próximo com um desses moçambicanos brancos. Nos seus arquivos, a PIDE se referiu à expulsão dos referidos brancos de Tanzânia, devido à intervenção do Padre Gwenjere, da seguinte forma:

“Segundo a mesma fonte, o Presidente Nyerere apoia o Padre Mateus nas suas pretensões, constando que a expulsão da Tanzânia dos elementos não negros da Frelimo, teria sido devido a provas fabricadas por aquele sacerdote de que os mesmos estavam a colaborar com as autoridades portuguesas”.

O SEGUNDO CONGRESSO DA FRELIMO E A REUNIÃO DE MTWARA

Em 31 de Maio de 1968, o Comité Central da FRELIMO reuniu-se e decidiu que o Segundo Congresso da FRELIMO deveria ser  realizado. Discursando no III Congresso da FRELIMO em Maputo em 1977, o Presidente Samora Machel reconheceu, mais uma vez, que o II Congresso foi realizado por insistência do Padre Gwenjere que gozava de grande apoio das autoridades tanzanianas. Ele disse que o Padre Gwenjere havia dirigido cartas à Organização da Unidade Africana (OAU) e ao Governo tanzaniano, “lançando acusações contra a liderança da FRELIMO e solicitando a convocação de um congresso”.

Perante esta pressão, a direcção da FRELIMO acabou por aceitar em realizar o II Congresso. No entanto, com medo de perder eleições, a mesma não queria que o Congresso se realizasse   na  Província  de  Cabo  Delgado, embora fosse naquela província  onde  a  guerra  estava  mais  avançada. A direcção da FRELIMO não queria que o Congresso fosse realizado em Cabo Delgado por não ter implantação local naquela província que lhe era hostil. Assim sendo, a mesma insistiu em que o Segundo Congresso fosse realizado na escassamente povoada província do Niassa e com a plena  participação da  ala  militar  para  impor   o  cumprimento das ordens  deste  Congresso.

Com a direcção da FRELIMO recusando-se a realizar o II Congresso em Cabo Delgado, o grupo Nkavandame-Gwenjere propôs o Sul da Tanzânia, que o grupo considerava como um terreno neutro onde não encontraria qualquer pressão da ala militar da FRELIMO.  Este grupo argumentava que, no Niassa, os seus homens seriam mortos pela ala militar da FRELIMO se discordassem das decisões do Congresso.

Importa referir, no entanto, que, como que a justificar o medo que o grupo Nkavandame-Gwenjere tinha de realizar o Congresso no Niassa, o Presidente Samora Machel chegou de insinuar, num dos seus discursos, que o grupo teria sofrido consequências se ousasse participar do Segundo Congresso na Província do Niassa:

“Os reaccionários insistiram em realizar o Segundo Congresso. No entanto, quando o mesmo foi realizado, eles não estavam presentes. Eles não ousaram comparecer.”

De acordo com os arquivos da PIDE, a direcção da FRELIMO escolheu a dedo os delegados para o Segundo Congresso realizado na província do Niassa. Da província de Cabo Delgado, poucos elementos de etnia maconde foram  escolhidos  para  participar   do   Congresso. Ainda segundo os mesmos arquivos, os poucos elementos escolhidos a dedo da Província de Cabo Delgado foram instruídos pela direcção da FRELIMO para propor Uria Simango para a presidência do movimento no Segundo Congresso:

O grupo Nkavandame-Gwenjere boicotou o Segundo Congresso realizado em Matchedje, na Província do Niassa, de 20 a 25 de Julho de 1968.  O grupo não reconheceu os seus resultados e se recusou a cumprir as suas resoluções. Como se não bastasse, não tardou para que este grupo convocasse a Reunião de Mtwara. Importa referir que foi o grupo Nkavandame-Gwenjere que convocou a Reunião de Mtwara e não a direcção da FRELIMO, conforme falsamente deu a conhecer o Presidente Samora Machel no Terceiro Congresso da FRELIMO em Maputo em 1977.

“A Direcção da FRELIMO, em colaboração com o Comité Central da TANU (Tanganyika African National Union – União Nacional Africana de Tanganica) organizou uma reunião em Mtwara, à qual os reaccionários foram chamados a participar. Na reunião, os reaccionários que se recusavam  a  reconhecer  os  resultados  do  Segundo Congresso e a eleição do Presidente Eduardo Mondlane, declararam que desligavam a província de Cabo Delgado  do  resto  do  país.”

No final do mês de Julho de 1968, imediatamente após o Segundo Congresso em Niassa, “três combatentes da FRELIMO da Província de Cabo Delgado”, viajaram para Mtwara, onde mantiveram encontros com dirigentes  tanzanianos. Os dirigentes tanzanianos em Mtwara forneceram aos três combatentes a logística necessária para viajarem até a sede da TANU em Dar-es-Salaam onde foram recebidos pelo Vice-Presidente da Tanzânia, Rashidi  Kawawa; Ministro de Estado no Gabinete do Vice Presidente, Lawi Sijaona; bem como por outros altos dirigentes do partido no poder.

Nas suas reuniões com os dirigentes da TANU, os “três combatentes pela liberdade” apresentaram a situação dos combatentes moçambicanos no interior de Moçambique e as razões pelas quais boicotaram o II Congresso   da  FRELIMO  na  Província  do   Niassa. Depois    disso,  os mesmos mantiveram “uma   longa reunião com o Padre Mateus Gwenjere em Dar-es-Salaam”. Como resultado dessas reuniões, o Governo Tanzaniano ordenou a direcção da FRELIMO para que fosse à Mtwara reunir-se com “representantes  da  FRELIMO  da  Província  de  Cabo  Delgado”.


NB: Pode ler este e outros artigos relacionados no https://umpadrevolucionario.com

As referências bibliográficas e notas finais deste artigo foram omitidas. Uma referência detalhada pode ser encontrada na segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” a partir do qual este artigo foi extraído. O livro encontra-se à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira.