A HISTÓRIA DA FRELIMO REESCRITA: “O PRIMEIRO CONGRESSO”

Dentro de alguns dias, Moçambique marcará o 58º aniversário do lançamento da luta armada de libertação nacional. Este autor curva-se, com o maior respeito, perante os jovens do 25-de-Setembro que se ergueram e ousaram pegar em armas para lutar contra o regime colonial português.

Ao fazê-lo, o autor aproveita a oportunidade para esclarecer parte da história da FRELIMO que continua sendo deturpada.

O Primeiro Congresso da FRELIMO realizou-se no Arnautoglo Hall em Dar-es-Salaam na Tanganica (estado que existiu antes de se unir com Zanzibar em Abril de 1964 e tornar-se Tanzânia) entre 23 e 28 de Setembro de 1962. O mesmo estava programado para ocorrer entre 13 e 17 de Setembro de 1962, mas o Presidente Eduardo Mondlane solicitou o seu adiamento devido aos compromissos na Universidade de Syracuse, nos Estados Unidos da América, onde lecionava na altura.

Cerca de 80 delegados e 500 observadores participaram do Congresso, incluindo delegados (refugiados moçambicanos) vindos de Mombaça no Quênia e de Zanzibar. Nove delegados vieram de Moçambique, incluindo um chefe tradicional Maconde; três delegados vieram de Niassalândia (agora Malawi); dois delegados vieram da França (presume-se que sejam Joaquim Chissano e Pascoal Mocumbi); um delegado da Alemanha Ocidental; um delegado de Marrocos, a saber, Marcelino dos Santos que era o Secretário-Geral da CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas); enquanto que o ex-vice-presidente da UDENAMO, Fanuel Mahluza, veio do Cairo, Egipto.

Presidente Eduardo Mondlane recebendo o Ministro Tanganicano do Interior Óscar Kambona no Primeiro Congresso da FRELIMO em Dar-es-Salaam. Fonte: Centro de Documentação e Formação Fotográfica. Maputo

OS PRINCIPAIS ORADORES DO PRIMEIRO CONGRESSO

Os principais oradores da cerimónia que marcou o Primeiro Congresso da FRELIMO foram o Primeiro-Ministro de Tanganica Rashidi Kawawa; o Ministro Tanganicano do Interior Óscar Kambona; o Presidente da FRELIMO Dr. Eduardo Mondlane; o Secretário-Geral da FRELIMO David Mabunda e John Sakupwanya que na altura era estudante moçambicano na Universidade de Lincoln nos Estados Unidos da América.

Rashidi Kawawa pediu aos militantes da FRELIMO que se esforçassem para manter a unidade que lhes permitiria derrotar o colonialismo português. O discurso do Dr. Mondlane foi traduzido por um intérprete frase a frase de inglês para o suaíli. Embora o Dr. Mondlane tentasse simplificar o seu discurso, o mesmo se diluiu na tradução, não conseguindo despertar a atenção do público. O discurso de Mabunda também não conseguiu despertar o público dado que estava cheio de jargão marxista.

O discurso que mais despertou o entusiasmo do público no Congresso e impulsionou os militantes da FRELIMO a querer pegar em armas para lutar pela independência de Moçambique foi feito por John Sakupwanya que disse aos congressistas que os portugueses estavam a usar métodos muito piores do que a bomba atómica. Continuando com seu discurso, John Sakupwanya perguntou:

“Quem entre vocês estaria pronto e disposto a derramar o seu sangue em prol da libertação de Moçambique?” A audiência gritou em uníssono “Julho do próximo ano está longe demais, queremos derramar sangue agora”.

Importa referir que o Presidente Joaquim Chissano referiu-se a John Sakupwanya no seu livro “Vidas, Lugares e Tempos”. Ele escreveu que ao chegarem a Dar-es-Salaam, eles (ele e provavelmente Pascoal Mocumbi) foram recebidos pelos líderes da UDENAMO, que incluíam Calvino Mahlayeye; Fanuel Mahluza que, segundo ele, era chamado Fanuel Guideone Manhique na altura; e John Sakupwanya.

Continuando, o Presidente Chissano escreveu que John Sakupwanya nasceu na Rodésia do Sul (agora Zimbábuè) e só conseguia comunicar-se bem em  inglês, shona, ndebele e suaíli. Segundo o Presidente Chissano, ele falava o suaíli “melhor do que todos os outros líderes da UDENAMO”. Mais adiante, Chissano escreveu o seguinte sobre John Sakupwanya:

“Ele era um homem de estatura bem grande e bem musculoso. Eu devia ter adivinhado que esse homem fora preparado pelos serviços rodesianos para se infiltrar nos Movimentos de Libertação. Mas isso não me veio à cabeça.”

MEMBROS DO COMITÊ CENTRAL VINDOS DO CONGRESSO

Os membros do Comité Central vindos do Congresso foram os seguintes: Dr. Eduardo Mondlane, Presidente; Reverendo Uria Simango, Vice-Presidente; David Mabunda, Secretário-Geral; Paulo Gumane, Vice-Secretário-Geral; Johanes Mtschembelesi, Tesoureiro; James Msadala, Vice-Tesoureiro; Leo Milas, Secretário de Informação e Cultura (eleito em absentia); e Paulo Bayete, Vice-Secretário de informação.

Foi decidido naquele Congresso que o movimento da FRELIMO recorreria à guerra se o governo português se recusasse a dar pacificamente a independência de Moçambique.

DR. MONDLANE ACUSADO DE VIOLAR ESTATUTOS DA FRELIMO

Depois do Congresso e antes de partir para os Estados Unidos, o Dr. Mondlane nomeou três novos membros para o Comité Central da FRELIMO: Marcelino dos Santos com o cargo de Secretário de Relações Exteriores; Silvério Nungu com o cargo de Secretário Administrativo: e João Mungwambe com o cargo de Secretário da Organização. Ele não deu nenhuma justificação pelas nomeações.

Importa referir, no entanto, que com esta sua acção, o Dr. Mondlane foi acusado de infringir os Estatutos da FRELIMO. De acordo com os estatutos, os membros do Comité Central deveriam ser eleitos pelo Conselho Nacional: o Congresso elege um Conselho Nacional de 30 membros, que, por sua vez, elege o Comité Central composto por 11 membros do Comité Central da FRELIMO.

Paulo Gumane, o Vice-Secretário-Geral da FRELIMO, não ficou nada satisfeito com a nomeação de Marcelino dos Santos. Ele advertiu ao Dr. Mondlane que Marcelino dos Santos era marxista e procuraria “miná-lo como líder da FRELIMO”.

De acordo com as deliberações deste Primeiro Congresso, o Segundo Congresso estava agendado para 1965. Importa referir, no entanto, que o mesmo só ocorreu em Julho de 1968 devido à insistência e pressão exercida pelo Padre Mateus Pinho Gwenjere, conforme bem admitiu o Presidente Samora Machel no seu discurso ao 3º Congresso da FRELIMO em Maputo em 1977.


NB: Pode ler este e outros artigos relacionados no https://umpadrevolucionario.com/language/pt/

As referências bibliográficas e notas finais deste artigo foram omitidas. Uma referência detalhada pode ser encontrada na segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” a partir do qual este artigo foi extraído. O livro encontra-se à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira.


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