A HISTÓRIA DA FRELIMO REESCRITA: MOÇAMBIQUE CELEBRA AMANHÃ O DIA DA PAZ, MAS SEM UMA PAZ VERDADEIRA.

Meio século após a independência, o povo moçambicano nunca conheceu uma paz verdadeira e duradoura por culpa de um pequeno grupo de moçambicanos que compõem o governo da Frelimo

Moçambique assinala amanhã, 4 de Outubro de 2022, o 30º aniversário da assinatura do Acordo Geral de Paz que pôs fim ao conflito armado entre o Governo da Frelimo e a RENAMO. No entanto, decorrido quase meio século após a independência, o povo moçambicano nunca conheceu uma paz verdadeira e duradoura.

Quase meio século, desde que Moçambique se tornou independente em 1975, é um período bastante longo para um país continuar em guerras fratricidas e infrutíferas, no sofrimento, na miséria e na angústia; para não falar do desperdício de vidas  humanas  e  da  destruição  de  infraestruturas. É tempo de refletir sobre este período.

Quando Moçambique alcançou a independência em 1975, esperava-se que o povo moçambicano vivesse em paz. Não foi, no entanto, o que aconteceu. Um ano após a independência, este país foi assolado por uma sangrenta guerra fratricida que durou 16 anos, semeando luto e dor, em grande parte devido à recusa e a intransigência do governo da Frelimo em reconhecer a reconciliação como um elemento fundamental na construção de uma paz justa e duradoura.

Em 1986, Joaquim Alberto Chissano tomou posse como presidente da República, depois da morte do Presidente Samora Machel. Reconhecendo a importância de restabelecer a paz no país, o Presidente Chissano assinou o Acordo Geral de Paz com o Presidente Afonso Dhlakama da RENAMO em 1992. No entanto, depois de ter deixado o poder, a guerra entre o governo do Partido da Frelimo e o movimento da RENAMO foi retomada em 2013, semeando, novamente, luto e dor.

A guerra de 2013 terminou em 2014, com a assinatura de um novo Acordo de Paz entre o Presidente Armando Guebuza e o Presidente Afonso  Dhlakama. No entanto, um ano depois, em 2015, a guerra entre a RENAMO e o governo da Frelimo recomeçou, semeando, novamente, luto e dor.

Enquanto um Acordo de Paz estava sendo alcançado com a RENAMO em 2017, outra guerra sangrenta começava na província de Cabo Delgado. Essa guerra continua até a presente data, semeando, novamente luto e dor e forçando um grande número de cidadãos a se deslocarem das suas zonas de origem.

Em 6 de Agosto de 2019, o Presidente Filipe Jacinto Nyusi assinou  o “Acordo de Paz Definitiva” com o novo Presidente da RENAMO Ossufo Momade. No entanto, logo após a assinatura do acordo, surgiu outra RENAMO armada, liderada pelo General Mariano Nhongo, que retomou a guerra, causando luto e dor.

É FUNDAMENTAL INVESTIGAR OS PORQUÊS DE TODAS ESSAS GUERRAS

As perspectivas à vista são cada vez mais sombrias. A guerra na Província de Cabo Delgado está a ser travada por um grupo de insurgentes intransigentes, alegadamente jihadistas, mergulhando as forças governamentais numa guerra de desgaste, difícil de vencer militarmente. É essencial investigar os porquês de todas essas guerras. É importante investigar as causas da desgraça que assola Moçambique. Este país encontra-se em guerras fratricidas por quase meio século, isto é, desde que  alcançou  a independência em 1975. Entretanto, todos os outros países vizinhos de Moçambique vivem em absoluta paz. Não existe algo de errado com a liderança do governo da Frelimo?

O governo da Frelimo sempre culpa os outros por todas essas guerras. No entanto, para quem conhece a história de Moçambique, a interpretação é clara: um pequeno grupo de moçambicanos procura, a todo o custo, monopolizar o poder político e económico, desrespeitando os resultados eleitorais que são a voz do povo.

Apoiado por países ocidentais que até a presente data acreditam na inferioridade do homem negro e procuram a todo o custo continuar a saquear os seus recursos, este pequeno grupo de moçambicanos que compõem o governo da FRELIMO tem desrespeitado todas as normas de boa governação. Evidentemente, como esperado, outros grupos de moçambicanos, sentindo-se alienados e excluídos, conspiram e organizam rebeliões para também assumir o poder.

EXISTE UMA FORMA CORRETA E UMA FORMA ERRADA DE RESPONDER AOS PROBLEMAS NUM PAÍS

Existe uma forma correta e uma forma errada de responder aos problemas num país, o que muitas vezes determina se um país vive em paz, como estão todos os países vizinhos, ou anda em guerras fratricidas e infindáveis, como o nosso país.

Com o perigo da violência em Cabo Delgado se alastrar para outras províncias, o mais correto não seria lidar com as principais causas do conflito, a fim de impedir, logo pela raiz, que conflitos idênticos voltem a ocorrer?  Com guerras infindáveis, desde que o país alcançou a independência em 1975, o mais correto não seria adoptar uma boa política de governação? Acima de tudo, o mais correto não seria procurar sarar as “feridas causadas durante tantos anos de discórdias”?

No entanto, enquanto a guerra continua a ceifar vidas humanas, mantendo o povo moçambicano no sofrimento, na angústia e na miséria, o governo da Frelimo prefere apostar numa vitória final – vitória final essa que, até à data, ainda não conseguiu, desde que o país alcançou a independência há quase meio século.

ACORDOS DESTINADOS A ENGANAR

Em todos os acordos de paz alcançados até a presente data, o governo da Frelimo prefere empenhar-se num jogo de astúcia política destinado a enganar para impor a sua vontade. Mas, como bem diz o ditado, “ninguém pode enganar todas as pessoas o tempo todo”, com essa táctica, o governo da Frelimo consegue e conseguirá apenas apegar-se a uma paz momentânea. A história deixa bem claro que um governo que prioriza a intolerância política; um governo que não beneficia a maioria da sua população para que possa permanecer no poder com o seu consentimento; este governo apenas incentiva a rebelião e só pode permanecer no poder pela força das armas.

Em suma, a menos que o governo da Frelimo mude radicalmente de direção, procurando sarar as “feridas vivas causadas durante tantos anos de discórdias”, conforme bem disse o Papa Francisco; a menos que o governo da Frelimo enverede por uma reconciliação nacional genuína e inclusiva, para conquistar os corações e as mentes do povo moçambicano, o país continuará a enfrentar instabilidade política, independentemente da ajuda militar que possa obter do exterior.  

O povo moçambicano que já sofreu demais precisa de paz.  Para que este povo martirizado não se canse de lutar, é necessário que o governo da Frelimo lhe proporcione uma causa justa comum pela qual vale a pena combater ao último suspiro e derramar o sangue à  última  gota.  

O CAMINHO PARA A  PAZ  

Em Moçambique, as “feridas vivas” ou as “feridas não cicatrizadas do passado”, destacadas pelo Papa Francisco e pelo padre sul-africano, Michael Lapsley, respectivamente, referem-se a conflitos não resolvidos do passado que culminaram na detenção e execução, sem julgamento, de vários líderes nacionalistas, pouco depois da independência de Moçambique. Referem-se igualmente aos abusos cometidos nos chamados “Centros de Reeducação”, onde muitos moçambicanos foram enterrados e queimados vivos. Também se referem às várias violações dos direitos humanos cometidas, dia após dia, durante as guerras fratricidas, desde 1976 até a presente data.

Um processo de paz para uma reconciliação verdadeiramente genuína no seio da família moçambicana deve ser inclusivo. O mesmo deve começar de baixo para cima: com o reconhecimento de que existe a necessidade de procurar sarar as “feridas não cicatrizadas  do  passado”.

Um processo de paz para uma reconciliação verdadeiramente genuína em Moçambique deve começar com um pedido de desculpas pelas falhas cometidas no passado. Este processo deve, no mínimo, começar com o reconhecimento oficial de que embora os líderes nacionalistas – nomeadamente Padre Mateus Pinho Gwenjere, Reverendo Uria Simango, Paulo Gumane, Adelino Gwambe, Dr. João Unhay, Lázaro Nkavandame, Dra. Joana Simeão, Raul Casal Ribeiro e muitos outros – tivessem pensamentos diferentes da então liderança da FRELIMO, quanto ao melhor caminho a seguir para a Revolução Moçambicana, eles foram combatentes genuínos da luta armada de libertação nacional, devendo, portanto, merecer, não o vilipêndio, mas sim, o respeito e  o amor do  povo  moçambicano.      

Muitos países africanos, incluindo a  África do Sul, Serra Leoa, Libéria, Gana,  Ruanda e Angola estiveram envolvidos em processos de reconciliação. Segundo o Padre Michael Lapsley, a TRC (Comissão da Verdade e Reconciliação) “deu ao povo sul-africano uma enorme vantagem na  cura  nacional”.

Para o bem-estar do martirizado povo moçambicano, este é um apelo ao governo do Partido da Frelimo para que coloque a mão na consciência, para que, no mínimo, reflita se as guerras que os grupos armados beligerantes travam contra o seu governo desde a independência, semeando luto e dor no seio da família moçambicana, são da exclusiva responsabilidade desses grupos armados ou são também da sua responsabilidade.

Enquanto a necessidade de sarar as “feridas não cicatrizadas do passado” e de enveredar por uma reconciliação nacional verdadeiramente genuína e inclusiva não for devidamente reconhecida e respeitada, não haverá paz verdadeira e duradoura em Moçambique, independentemente da ajuda militar que esta país possa obter do exterior.


As referências bibliográficas e notas finais deste artigo foram omitidas. Uma referência detalhada pode ser encontrada na segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” a partir do qual este artigo foi extraído. O livro encontra-se à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira.


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