A HISTÓRIA DA FRELIMO REESCRITA: A “GUERRA PROLONGADA” NA LUTA DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE (Parte 1 de 2)

Evocando os Heróis de 25 de Setembro no 58º Aniversário da Luta de Libertação Nacional

Com o agravamento da Guerra Fria na década de 1960, o então presidente dos Estados Unidos da América, John F. Kennedy, não estava em condições de comprometer o acordo da Base das Lajes nos Açores assinado com Portugal. Todavia, este presidente americano estava empenhado numa iniciativa diplomática tendente a levar Portugal a resolver o problema de Moçambique, o que fazia o Presidente Eduardo Mondlane acreditar que seria possível adquirir a independência por meios pacíficos.

Note-se, no entanto, que as administrações americanas que se seguiram, após o assassinato do Presidente Kennedy, não prestavam atenção à causa nacionalista moçambicana. Frustrado com essa atitude, bem como com a atitude dos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO) que apoiavam diretamente Portugal, o Presidente Mondlane começou a valorizar o apoio que o seu movimento recebia dos países socialistas.

Presidente Mondlane a experimentar uma AK-47. Fonte: Centro de Documentação e Formação Fotográfica. Maputo

Perante esta situação e com o Governo português não querendo negociar, o Presidente Mondlane visitou a República Popular da China nos finais de 1963 para solicitar apoio militar. Em Setembro de 1964, o movimento da FRELIMO iniciou a sua luta armada pela libertação de Moçambique.

A DEFINIÇÃO DA “GUERRA PROLONGADA” NA LUTA DE LIBERTAÇÃO

Note-se, no entanto, que apesar de ter tomado a decisão de iniciar a luta armada, o Presidente Mondlane manteve a esperança de que o Governo português haveria de negociar um acordo pacífico antes do alastramento da guerra. Desta forma, a luta armada visava essencialmente pressionar o Governo português a negociar. Assim, a política de “guerra prolongada”, tal como definida pela liderança da FRELIMO, pretendia dar ênfase à luta política, concentrando atividades na mobilização das massas para aumentar a sua consciência política e a sua prontidão para a independência nacional.

Nas suas constantes visitas aos Estados Unidos da América e a países europeus para dar a conhecer o seu movimento e angariar apoios, o Presidente Mondlane deixava claro que o seu movimento se via obrigado a seguir o caminho da violência devido à intransigência de Portugal e dos países ocidentais.

DIVERGÊNCIAS SOBRE A POLÍTICA DE “GUERRA PROLONGADA”

A política de “guerra prolongada”, tal como definida pela liderança da FRELIMO, não foi bem acolhida por alguns militantes da FRELIMO. A “guerra prolongada” em que a direção da FRELIMO apostava foi uma das razões que levaram o grupo Gwenjere-Nkavandame a distanciar-se da direção da FRELIMO. Enquanto a liderança da FRELIMO defendia uma “guerra prolongada”, o grupo Nkavandame-Gwenjere apostava numa guerra rápida de conquista de zonas libertadas, pois, segundo este grupo, o Governo português não estava disposto a negociar.

A ruptura do Padre Mateus Gwenjere com o Presidente Eduardo Mondlane tornou-se evidente na festa do final de ano em Dar-es-Salaam, Tanzânia, em Dezembro de 1967.  No seu discurso anual, o Presidente Mondlane disse aos militantes da FRELIMO que “a luta contra a dominação portuguesa seria  longa  e  demorada”. Na ocasião, o Padre Gwenjere opôs-se aos pronunciamentos de uma “guerra prolongada” do Presidente Mondlane. O sacerdote argumentou que uma “guerra prolongada” só traria mais sofrimento aos moçambicanos dentro do país.

Outros grupos de militantes que estavam contra a política de “guerra prolongada”, incluíam alguns militares que, sob a liderança militar de Filipe Samuel Magaia, se entusiasmavam com o progresso da Revolução bem como a população local nas zonas de guerra, conforme se verá na segunda parte deste artigo. Sabe-se igualmente que os estudantes do Instituto Moçambicano e no exterior também estavam contra a política de “guerra prolongada”.

MAGAIA TERIA FORÇADO OFICIAIS MILITARES A VISITAR ZONAS DE GUERRA ANTES DO SEU ASSASSINATO

Em Setembro de 1966, o Secretário da Defesa e Segurança da FRELIMO, Filipe Samuel Magaia, levou um grupo de oficiais militares para visitar zonas de guerra na Província do Niassa. Os oficiais militares que se deslocaram a Província do Niassa com Magaia, naquilo que foi denominado de “baptismo de fogo”, incluíram os seguintes: Cândido Mondlane, Raul Guezimane, Mariano Matsinhe, Raúl Casal Ribeiro, Samuel Dhlakama, Xavier Sulila, Francisco Manyanga, Francisco Langa, Salésio Teodoro, José Soares, Artur Torohate, José Afonso Maguni e  Mário Sive. Outro oficial militar integrado no grupo foi Lourenço Matola, especializado em armamentos e tácticas de combate na Argélia, que matou Filipe Samuel Magaia quando este grupo de oficiais militares regressava ao Campo Militar de Nachingwea.

As declarações, no livro “Guebuza: A Paixão pela Terra”, feitas por dois veteranos da FRELIMO, nomeadamente Cândido Mondlane e Raúl Guezimane, que pertenciam ao grupo de oficiais que foram levados para a Província do Niassa, sugerem duas coisas que merecem a atenção dos leitores:

Alguns desses militares não ficaram satisfeitos por terem sido levados para as zonas de guerra pelo Comandante Filipe Samuel Magaia. Além disso, tudo indica que o Comandante Magaia não pediu autorização ao Presidente Mondlane para levar estes militares para as zonas de guerra no interior de Moçambique, alguns contra a sua vontade.

Não há dúvida de que a visita às zonas de guerra no interior de Moçambique permitiu a esses oficiais militares um conhecimento prático do que teoricamente adquiriram em centros de treinamento militar no exterior, especialmente na Argélia e na China. Mesmo assim, Raúl Guezimane, bem como Cândido Mondlane, que treinou com Magaia na China, disseram ao biógrafo do Presidente Armando Guebuza, Renato Matusse, que os oficiais militares da FRELIMO não acolheram com agrado a ideia de Magaia de levá-los para a zona de guerra, alegando o motivo da insegurança:

 “Um ataque português poderia ter privado o movimento de libertação de um grande número de quadros, cujo processo de formação levou muitos anos e envolveu muitos recursos”.


As referências bibliográficas e notas finais deste artigo foram omitidas. Uma referência detalhada pode ser encontrada na segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” a partir do qual este artigo foi extraído. O livro encontra-se à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira.


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