𝐋𝐀𝐍Ç𝐀𝐌𝐄𝐍𝐓𝐎 𝐃𝐎 𝐋𝐈𝐕𝐑𝐎 𝐍𝐀 𝐂𝐈𝐃𝐀𝐃𝐄 𝐃𝐀 𝐁𝐄𝐈𝐑𝐀

“O Seminário Católico de Zóbuè: Entre a Cruz e o Fuzil” 

Na Universidade Católica de Moçambique, em 24 de Outubro de 2025

O livro narra a história da formação para o sacerdócio de jovens africanos da Região Centro de Moçambique – actuais províncias de Sofala, Manica, Tete e Zambézia – no Seminário Católico de Zóbuè em Moatize, Província de Tete. Ao tomar conhecimento dos “Missionários da África”, mais conhecidos como “Padres Brancos”, que operam em países da África Subsaariana, o bispo da diocese da Beira, Dom Sebastião Soares de Resende, decidiu recrutá-los para dirigir este Seminário  fundado em 10 de Setembro de 1950.

Sob a direcção dos “Missionários da África”, o Seminário Católico de Zóbuè se destacou em  três vertentes: na formação para o sacerdócio de jovens africanos da Região Centro, na sua formação  académica, bem como na sua moldagem em nacionalistas moçambicanos. Os “Missionários da África” incutiam nas mentes desses seminaristas as ideias de independência e o espírito nacionalista da luta pela liberdade.

Para fundamentar o trabalho que o Bispo Dom Sebastião Soares de Resende e os “Missionários da África” desenvolveram na formação académica dos seminaristas do Zóbuè, o livro apresenta uma lista de 35 ex-seminaristas que obtiveram ensino superior antes da independência de Moçambique, contrariando a narrativa de que havia menos de uma dezena de moçambicanos com ensino superior na altura da independência.

No total, o Seminário Católico de Zóbuè produziu 18 sacerdotes, sete tendo ascendido aos níveis de bispos e arcebispos. Em termos comparativos, o desempenho não foi mau, tendo em conta que até 1968, apenas 24 estudantes do Seminário Maior da Namaacha, oriundos  de diferentes seminários menores, tinham sido ordenados sacerdotes: 10 oriundos da Diocese de Lourenço Marques (actual Maputo), sete do Seminário de Zóbuè e sete de varios outros Seminários Menores.

Refira-se, no entanto, que foi no contexto do nacionalismo moçambicano que os seminaristas do Zóbuè mais se destacaram. No Seminário Maior da Namaacha, na então Lourenço Marques, foram os seminaristas do Zóbuè que mais se destacaram como nacionalistas. De facto, foi devido ao seu comportamento “anti-português” que o Arcebispo de Lourenço Marques, Dom Custódio Alvim Pereira, promulgou 10 princípios que, em suma, rejeitavam a teoria da independência para Moçambique.

Entre 1960 e o final de 1966, um grande número de seminaristas renunciou à vida sacerdotal, principalmente no Seminário Maior de Namaacha. O livro identifica 23 ex-seminaristas do Seminário Maior da Namaacha que seguiram para os Estados Unidos da América para prosseguir estudos superiores e mais de uma centena de outros ex-seminaristas do Zóbuè que abandonaram a vida sacerdotal, indo para a Tanzânia para se juntar à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Obviamente, mais ex-seminaristas podem ter seguido para aqueles países, o que poderá ser conhecido com uma investigação mais aprofundada.

Valeu a pena para mais de uma centena de seminaristas de Zóbué terem renunciado à sua vida sacerdotal e terem abandonado Moçambique para se juntarem à FRELIMO na luta pela independência?

Esses ex-seminaristas, que tinham grandes expectativas em relação ao movimento da FRELIMO, foram confrontados com a realidade logo após a sua chegada à Tanzânia.  Reinavam no seio deste movimento conflitos étnicos e regionais bem como disputas pelo poder que levaram os nacionalistas moçambicanos a desperdiçar muitas das suas energias lutando entre si.  O livro destaca o desentendimento desses ex-seminaristas com a liderança da FRELIMO e as detenções, maus-tratos e assassinatos de alguns deles e de outros nacionalistas antes e depois da independência de Moçambique.

O livro  nota que a postura  reconciliatória do Presidente Joaquim Chissano culminou no regresso a Moçambique de ex-seminaristas que não podiam fazê-lo sem serem detidos ou mortos e na devolução de bens pertencentes à Igreja Católica, incluindo o Seminário Católico de Zóbuè. Devido à mesma postura, os ex-seminaristas que permaneceram em Moçambique, na altura da luta armada de libertação de Moçambique, sairam mais beneficiados, uma vez que a FRELIMO, que havia antagonizado a sua classe estudantil e os antigos seminaristas do Zóbuè que se juntaram a este movimento, precisou deles para impulsionar o país que estava falido durante a governação do Presidente Samora Machel. O livro fornece nomes de mais de meia centena desses ex-seminaristas que serviram e alguns servem o Estado Moçambicano até a presente data, como  ministros, deputados da Assembleia da República, embaixadores, governadores, PCAs, e assim por diante.

Em forma de conclusão, o livro chama a atenção para dois factos:

Embora se reconheça o papel da Igreja Católica na educação dos povos indígenas, na sua consciencialização política, bem como na mediação do conflito armado entre o governo da FRELIMO e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), que resultou no Acordo Geral de Paz em 1992, o livro não deixa de criticar esta Igreja por ter permanecido em silêncio sobre a escravatura e outras práticas contrárias à dignidade humana e incompatíveis com a justiça cristã. Embora tenha reconhecido os seus erros e tenha pedido desculpas, para os críticos, a sua mea culpa não só foi tardia, como se esperava que tivesse feito muito mais para mitigar a sua cumplicidade.

Quanto ao movimento da FRELIMO e ao seu partido, Frelimo, estes nunca reconheceram que alguma vez cometeram erros. Muito pelo contrário, escrevem e interpretam a história de forma enganosa, esquecendo que é conhecendo e aprendendo com os erros do passado que os povos evitam recorrências da violência. O livro nota que os desmandos e excessos cometidos pela FRELIMO e seu partido no passado e no presente, bem como a recusa em reconhecê-los, são a principal razão da recorrência da violência em Moçambique e do contínuo sofrimento do povo moçambicano. As gerações presentes e futuras devem conhecer e compreender as dolorosas fases da nossa história para evitar que os erros e abusos do passado se repitam no futuro.

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Ano de Publicação : 2024

Editora : Produção Independente

Número de Páginas: 334

Preço: 1 400 MTS

Disponível: Livraria Mabuko, Livraria Escolar Editora, Livraria Paulinas, Maputo e Livraria Fundza, Beira