AS DONAS DE PRAZOS DOS RIOS DE SENA

Com o desmembramento do Império Mwene Mutapa, os  portugueses, através do sistema de prazos, ocupavam as terras que compravam, conquistavam ou que lhes eram doadas pelos chefes tradicionais locais ao longo do Vale do Zambeze.

Com poucas mulheres brancas disponíveis na região, a maioria desses portugueses arrendatários se casava com mulheres negras locais. Com a morte de um arrendatário, o arrendamento era transmitido por via feminina para a esposa e desta para a filha.

Para evitar que os arrendatários portugueses perdessem totalmente a sua identidade e com vista a consolidar a ocupação do território por colonos portugueses, o Rei de Portugal decretou que as senhoras arrendatárias (“Donas”) deveriam casar com azungu (homens brancos) de Portugal. No entanto, com poucos azungu de Portugal na região, a maioria das “Donas” acabava por casar nas famílias dos chefes tradicionais locais ou com portugueses e goeses oriundos de Goa.

Essas “Donas” estavam profundamente enraizadas nos costumes africanos: Os filhos resultantes de relações extraconjugais eram acolhidos nas famílias dessas “Donas” que usavam a língua local para se comunicar. E, tal como os nativos, as “Donas” envolviam-se em práticas animistas: consultavam os curandeiros (n’gangas), acreditavam em feitiçaria e invocavam os espíritos dos ancestrais para produzir chuva.

Por causa dos exércitos de escravos que possuíam, não respeitavam as leis impostas. Além disso, as “Donas” desrespeitavam os seus maridos brancos, as autoridades tradicionais, assim como o Governador-Geral de “Rios de Sena”, que era o nome dado aos territórios localizados ao longo do Vale do Zambeze.

As seguintes “Donas” tornaram-se famosas nos Rios de Sena: Dona Francisca Josefa de Moura Meneses; Dona Inês Gracias Cardoso e a sua herdeira Dona Inês Almeida Castelbranco; Dona Catarina de Faria Leitão; Dona Paula da Cruz; Dona Maria da Maia; Dona Eugénia Maria da Cruz; e Dona Ana Cativa. 

Essas “Donas” enviuvavam cedo e contraíam vários casamentos ao longo das suas vidas. Por exemplo, quando Moreira Pereira, o primeiro marido da Dona Francisca Josefa  de Moura  Meneses, morreu em 1776; logo no ano seguinte, ela se casou novamente com José Álvares Pereira, um outro Português que se tornou governador dos Rios de Sena em 1786. No ano seguinte, José Álvares Pereira também morreu.

“De novo viúva, D. Francisca insistiria ainda nas alianças com os governantes de Rios. Alegadamente terá tentado o casamento com Agostinho de Melo e Almeida, que governou os Rios cerca de três anos, entre 1787 e 1790 […]. [Agostinho de Melo] que deixou um rasto de embusteiro entre as mulheres da região, ter-lhe-á extorquido ouro, prata e marfim sem a almejada contrapartida matrimonial.”

Dona Francisca Josefa de Moura Meneses, uma senhora detentora de muitos prazos, adquiriu o apelido africano de “Chiponda” (a senhora que pisa todos com os pés). Ela não respeitava as leis e os seus maridos brancos eram submissos a ela. Nos primeiros anos de 1780, por razões desconhecidas, ela entrou em conflito com o então Governador-Geral de Rios de Sena, António Manuel de Melo e Castro. Ela agrupou o seu exército e ameaçou destruir as casas do Governador bem como arrasar a então vila de Tete.

A Dona Inês Gracias Cardoso, de origem goesa, depois de perder um processo de divórcio por não consumação do casamento, agrupou o seu exército de escravos e atacou o seu marido, António Teles de Meneses, e os seus seguidores. Ela conseguiu feri-lo e expulsá-lo do “prazo”, apesar da carreira do seu marido como militar e ex-governador de Macau.

A Dona Inês Cardoso causou tanta confusão em Rios de Sena que foi destituída das suas terras pelo Governador-Geral António Manuel de Melo e Castro. Falando em apoio ao seu marido, o Governador-Geral evocou a decisão do tribunal, em particular a ordem para reduzir a preponderância das Donas e a falta de respeito que os seus trabalhadores “cafres” (uma palavra pejorativa derivada do árabe “kaffir” para significar negro, infiel ou descrente ) demonstravam em relação aos seus maridos brancos.

Tudo indica que a Dona Inês Gracias Cardoso e a sua herdeira Dona Inês Almeida Castelbranco foram familiares do falecido Sérgio (Castelbranco) Vieira que foi um alto dirigente da FRELIMO durante a governação do Presidente Samora Machel. Sérgio Vieira escreveu no seu livro “Participei, por isso Testemunho” que havia Donas na sua ascendência e uma delas chamava-se Inês, que ele descreve no seu livro como “uma mulata muito escura” que, segundo ele, foi a “primeira Dona não branca” ao longo do Vale do Zambeze.

Por sua vez, a Dona Maria da Maia levou o seu exército de escravos à corte de um rei local, destruindo tudo o que ela encontrava pelo caminho, para vingar a morte do seu marido assassinado. Ela só se acalmou quando o rei lhe deu o “Prazo de Chironde” e enviou-lhe a cabeça do homem responsável pela morte do marido.

Outra famosa detentora do prazo foi a Dona Ana Cativa. A Dona Ana era uma linda e rica mulher branca portuguesa que possuía um palanquim incrustado de ouro. Ela era detentora de um extenso prazo em Mutarara. A Ponte de Dona Ana – a maior ponte ferroviária da África e a terceira maior do mundo na época – recebeu o seu nome. Também tem o seu nome, até a presente data, a vila de Dona Ana, uma pequena vila em Mutarara onde as obras de construção da ponte começaram.


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As referências bibliográficas e notas finais deste artigo foram omitidas. Uma referência detalhada pode ser encontrada na segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” a partir do qual este artigo foi extraído. O livro encontra-se à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira.