A PRESENÇA PORTUGUESA AO LONGO DO VALE DO ZAMBEZE E A TRADIÇÃO DE RESISTÊNCIA

O Vale do Zambeze é uma das regiões mais históricas e mais ricas de Moçambique, possuindo marfim, terras férteis, bem como quantidades substanciais de recursos minerais e hídricos, que incluem carvão, ouro e pedras preciosas.

Na década de 1530, pequenos grupos de comerciantes e garimpeiros portugueses penetraram na região ao longo do Vale do Zambeze em busca de marfim e de ouro. Eles procuraram obter o controle exclusivo sobre o comércio de ouro estabelecendo guarnições e entrepostos comerciais em Sena e Tete, ao longo do vale do rio Zambeze.

A TRADIÇÃO DE RESISTÊNCIA

Segundo Isaacman e Isaacman e Funada-Classen, a região do Vale do Zambeze teve uma longa história de resistência contra o regime opressor português. O Governo português confiou a região à “Companhia de Moçambique (“Mozambique Company”) com o objectivo de pacificá-la. No entanto, esta Companhia não conseguiu pacificar a região. Em vez disso, a sua presença causou mais insurgência.

A partir do século XVI, o Império de Monomotapa (Mwenemutapa) de Shonas, impôs o seu domínio sobre a região do Vale do Zambeze. No entanto, as guerras civis e de secessão que se seguiram reduziram os poderes deste Império na região. Outros estados poderosos, como o Reino de Báruè, surgiram.

No seu livro “A Tradição de Resistência em Moçambique: o Vale do Zambeze; 1850-1921”, Isaacman e Isaacman apresentam uma detalhada história de resistência na região do Vale do Zambeze sob a liderança do Reino Báruè. Os povos Báruè, Sena e Tonga, sob a dominação portuguesa ao longo do Vale, protestavam publicamente contra o trabalho forçado, impostos, e os baixos salários que recebiam pelo seu trabalho.

Tendo reconhecido que a presença portuguesa alienava os seus direitos, esses povos cansaram-se e rebelaram-se. Em vez de lutarem uns contra os outros pelo domínio do território, eles viram a necessidade de se unirem contra a dominação portuguesa.

O poderoso povo Báruè via a área de Sena, ao longo da margem do Rio Zambeze, onde a Ponte de Dona Ana foi erguida, como terra sagrada porque o seu primeiro rei, Kabudu Kagoro, foi enterrado lá. Sempre que os monarcas Báruè eram investidos, eles usavam as águas sagradas de Sena, onde foi sepultado o seu primeiro rei. 

Depois de várias tentativas frustradas para conquistar o Reino Báruè, os portugueses usaram o catolicismo e as águas sagradas  de Sena  para se aproximarem da liderança Báruè: Como os portugueses estavam sob o controle da região de Sena, onde haviam estabelecido uma guarnição, eles frequentemente retinham as águas para obter concessões do Rei Báruè. Isaacman e Isaacman escrevem, no entanto, que cada vez que eles retinham as águas de Sena; tropas Báruè atacavam os seus bens e fortalezas até eles disponibilizarem o líquido.

O respeito que o povo Báruè tinha pela região de Sena onde foi sepultado o seu primeiro rei, Kabudu Kagoro, consolidou os laços históricos entre os povos Báruè e Sena. Sob a liderança de Báruè, os dois povos criaram uma aliança para expulsar os invasores portugueses. 

Eles também se uniram contra os invasores de “Gaza Nguni” que migraram da África do Sul após violentas confrontações no início do século XIX.

Após a morte de Makombe Chipapata em 1880, seguiu-se um longo período de vácuo político. Um comerciante goês chamado Manuel António de Sousa, vulgarmente conhecido como “Gouveia”, aproveitou este vácuo e anexou as chefiaturas de Sena e Tonga.

Anos depois, através de uma série de incursões armadas e astúcia política, incluindo o seu casamento com Adriana, a filha mais velha do falecido  Makombe Chipapata, ele  reivindicou   o   trono   Makombe   para   os   seus  herdeiros.

Em 1890, por motivos pouco conhecidos, a polícia da British South African Company (Companhia Britânica da África do Sul) de Cécil Rhodes prendeu Gouveia. Aproveitando-se da sua detenção e ausência, Hanga, o filho de Makombe Chipapata, reagrupou as suas forças e declarou o seu reino livre.

Apoiado por dois principais tenentes de Gouveia, a saber, Cambuemba e Capovo, Makombe Hanga atacou os redutos de Gouveia para obter suprimentos adicionais de armas, incluindo canhões.

Quando Gouveia foi solto em 1891, ele reagrupou as  suas forças que incluíam  4 000  tropas  e membros desencantados  da  facção real que se opunham à Hanga. Também  a   apoiar Gouveia estava o conhecido oficial português, João de Azevedo Coutinho, que comandava um grande  exército de  mercenários negros.

Depois de alguns sucessos iniciais, as forças de Gouveia foram bloqueadas por chuvas intensas que, segundo a tradição Báruè, foram misteriosamente causadas pelo falecido Rei Kabudu Kagoro.

Aproveitando-se deste fenômeno, as tropas Báruè contra-atacaram capturarando o quartel-general de Gouveia, cujas tropas fugiram em debandada. Gouveia, que havia sido ferido, foi localizado numa mata onde foi depois atingido mortalmente por um jovem guerreiro que não queria levá-lo vivo à fortaleza de Nyachirondo por medo de que algo de errado acontecesse.

Quanto ao seu companheiro, João de Azevedo Coutinho, este foi transportado para Portugal com ferimentos graves, depois de perder cerca de 100 soldados no que Isaacman e Isaacman descreveram como “uma das maiores derrotas infligidas a um exército colonial”. 

Tendo Gouveia e Coutinho sido derrotados, a nação Báruè recuperou a sua independência. Contudo, cada vez que obtinha vitória e liberdade; esta nação mergulhava numa nova crise de sucessão entre  facções  rivais  da  família  real  competindo  pelo trono.                 

A crise de sucessão na nação Báruè impedia qualquer possibilidade de uma acção coordenada que permitisse os povos Báruè, Sena e Tonga expulsar os portugueses de uma vez por todas.

A REBELIÃO SENA-TONGA

Durante a crise de sucessão da nação Báruè, os povos Sena e Tonga uniram-se para expulsar os portugueses do Vale do Zambeze. A verdadeira rebelião Sena-Tonga eclodiu em 1897 e foi liderada por Cambuemba.

Operando a partir da sua base militar em Chemba, as forças de Cambuemba expulsaram a “Mozambique Company” (Companhia de Moçambique) dos prazos de Bandar, Tambara, Chiramba, Inharuca e Sone; terminando temporariamente o domínio português “do Norte de  Sena  até  à  confluência   estratégica  dos  rios   Zambeze  e  Luenha”.

As forças de Cambuemba também atacaram postos comerciais a Sul de Chupanga e isolaram os domínios de Sena; forçando os portugueses a enviarem uma força combinada de cerca de 150 soldados regulares e 2 800 reservistas recrutados de Niassa, Tete  e  Quelimane,  para evitar uma perda total da sua posição estratégica no Sul do Vale do Zambeze.

Após a sua derrota, Cambuemba adoptou uma estratégia de guerrilha. Por volta de 1900, ele libertou parte da região onde a população rural estava livre das exigências do domínio colonial português.

A CRIAÇÃO DUMA “AMPLA COLIGAÇÃO ANTICOLONIAL”

Quando Chikuwore, o filho mais velho de Makombe Hanga, mais conhecido como Nongwe-Nongwe, assumiu o poder nos princípios de 1900, ele percebeu que Cambuemba sozinho não poderia expulsar permanentemente os portugueses do Vale do Zambeze. Assim sendo, ele se esforçou por criar uma alargada coligação anticolonial para derrotar os portugueses.

Em Março de 1917, os planos da rebelião foram concluidos. Segundo Isaacman e Isaacman, os rebeldes alcançaram “um sucesso sem precedentes” no seu esforço para expulsar os portugueses do Vale do Zambeze. Eles atacaram simultaneamente as posições portuguesas em Chemba, Tambara e Chiramba.

Conforme revelado abaixo, os portugueses reconheceram os sucessos dos rebeldes:

“Quase todo o Zambeze está em revolta. Fomos informados de que capturaram Tambara e de que estão a caminhar em direcção a Sena […]. Carecemos de recursos […].”

No entanto, no final de 1920, a revolta foi controlada pelos portugueses, principalmente devido ao uso de armas modernas e da ajuda militar que receberam da Rodésia do Norte e do Sul (actuais Zâmbia e Zimbábuè) e Nyassaland (actual Malawi), bem como de mercenários negros que incluíam os invasores de “Gaza Nguni”.

Para estimular o aliciamento de mercenários negros, os portugueses concediam muitos privilégios, incluíndo o pagamento de “dez xelins por mês”:

“Os Ngoni responderam favoravelmente, ignorando os pedidos do (Makombe) Nongwe-Nongwe para que se juntassem à rebelião.”

A POLÍTICA DE TERRA QUEIMADA

Segundo Isaacman e Isaacman, para vencerem a guerra, os portugueses adoptaram uma política de terra queimada, a fim de intimidar a grande maioria dos camponeses que colaboravam com os rebeldes:

“Devem queimar todas as aldeias rebeldes, destruir todos os campos, confiscar todo o gado e fazer o maior número de prisioneiros, incluindo mulheres e crianças […]. É indispensável que estas acções sejam levadas a cabo o mais rápido e violentamente possível para aterrorizar a população local e evitar futuras revoltas.”

Ainda dentro da sua política de terra queimada para intimidar, os portugueses decapitavam “todos os chefes rebeldes que eram capturados”, entregando, em seguida, as suas cabeças às suas mulheres.


NB: Pode ler este e outros artigos relacionados no
https://umpadrevolucionario.com/language/pt/

As referências bibliográficas e notas finais deste artigo foram omitidas. Uma referência detalhada pode ser encontrada na segunda edição do livro “Mateus Pinho Gwenjere – Um Padre Revolucionário” a partir do qual este artigo foi extraído. O livro encontra-se à venda nas livrarias das cidades de Maputo e Beira.



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